PARA A HISTÓRIA DA LUAR: O Congresso de 1975
A 22 de Fevereiro de 1975, sábado, realizou-se a 1.ª sessão da primeira parte do I Congresso Nacional da LUAR – Liga de União e de Acção Revolucionária, a fim de sustentar a angra divina da revolução. O evento fora anteriormente anunciado e publicamente apresentado numa conferência de imprensa da organização, que teve lugar na Casa da Imprensa a 3 de Fevereiro de 1975, com a presença de Hermínio da Palma Inácio, Camilo Tavares Mortágua, Fernando Pereira Marques, Helena Neto eDuarte Campos para apresentar as linhas mestras do congresso marcado para os dias 22, 23 e 24 de Fevereiro.
Reunidos em local secreto e «à porta fechada», num «local próximo de Lisboa», muito provavelmente na Margem Sul, contou com a participação de cerca de 400 militantes, delegados e observadores, corcovados nos trabalhos mouros de defender «o socialismo revolucionário de base». Acudiram delegados dos quatro cantos, em especial dos núcleos mais activos, nomeadamente do Alentejo, Almada, Cartaxo, Coimbra, Cova da Piedade, Faro, França,Lisboa, Monte Real, Porto, Setúbal, Viana do Castelo e Vila Flor e, outrossim, membros de diversas Comissões de Trabalhadores.
Distintas organizações estrangeiras marcaram presença na magna assembleia, evidente manifestação umbilical de internacionalismo proletário, delegados avessos a pompas e fidalguia, porquanto «não são pessoas engravatadas, mas revolucionários que lutam nos seus países» ainda«de armas na mão». Por motivos de segurança e por coisas e loisas não foi divulgada na ocasião a lista das delegações forasteiras, porém estiverem presentes representantes das seguintes organizações, conforme julgo saber: AMR –Alliance Marxiste Révolutionnaire (França), AO – Organizzazione Comunista Avanguardia Operaia (Itália), ERP – Ejército Revolucionario del Pueblo (Argentina), FRETILIN – Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Timor-Leste), MIR – Movimiento de Izquierda Revolucionaria (Bolivia), MIR – Movimiento de Izquierda Revolucionaria (Chile), MLN-T – Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros (Uruguai), MR8 – Movimento Revolucionário Oito de Outubro (Brasil) e UPG – Unión do Povo Galego (Galiza).
Congresso à porta fechada, nalguma catacumba sarracena, os trabalhos decorrem em bom ritmo durante os três dias programados. Palma Inácio, eleito secretário-geral por aclamação, botou faladura para dirigir as primeiras palavras aos congressistas, reafirmando o «passado de luta armada», expressando, noutro ponto, a convicção de «que a organização da LUAR sairá muito fortalecida». De seguida, Camilo Mortágua, em nome da Comissão Política Executiva, entrou dentro da história e das coisas inauditas da LUAR desde 1967 até ao 25 de Abril.
Ideologicamente a LUAR defendia a água limpa como a mais pura linfa revolucionária e carradas de razão. Definiu-se como «organização marxista revolucionária», a fim de servir de «apoio às lutas operárias e camponesas e dos soldados e marinheiros», visando «como objectivo último e estratégico a revolução social tendente à abolição das classes que permite o termo da exploração do homem pelo homem e a implantação duma sociedade socialista». A LUARarcava sobre os ombros a pesada responsabilidade«de definir uma alternativa verdadeiramente revolucionária, operante e coerente, que leve a classe operária e campesina ao poder». Defendia, com unhas e dentes, «uma linha política que permita uma consciente e organizada agudização da luta de classes, assumida pela classe trabalhadora, auto-organizada e que garanta» a «efectiva emancipação» dos trabalhadores, traçando «linhas de combate ao poder da burguesia». Para a LUAR era prioritário criar «o «reforço das acções tendentes ao estabelecimento de uma aliança entre operários, camponeses, soldados e marinheiros», caminho que exigia o «reforço de uma organização revolucionária de base, que permita uma estrutura capaz de avançar na realização de um projecto socialista revolucionário» para chegar ao cabo do Poder Popular.
Partindo duma «análise marxista correcta da realidade» política, armados com o materialismo dialéctico e materialismo histórico como guia do pensamento, a organização determinava «as linhas de combate adequadas às condições objectivas da luta actual do proletariado». Alertava, ainda, para o imporém do «reforço do domínio da burguesia nacional, encabeçada pelo capital financeiro», baba peçonhenta que ao encoberto «das contradições existentes no MFA» pretendia assacar «uma alienante democracia pluralista».
Aprovados esses «verdadeiros fundamentos teóricos do proletariado, capazes de o armar ideologicamente» na terrível luta «contra os seus inimigos de classe», mas também «contra todos os dogmatismos e sectarismos», a LUAR estava pronta para trilhar a rota batida da «construção de uma verdadeira sociedade socialista», a qual tão-somente seria «possível num processo revolucionário em que o proletariado assuma o poder, através de uma ampla democracia de classe, garantida por organismos de base» descentralizados, de molde a permitir «uma efectiva emancipação», não só em relação à mula anafada da «burguesia capitalista, como de novas burguesias estatais e partidárias». O programa fazia estoirar os cós das calças de tanta alegria prometida.
Para além de analisar a situação política, debater a estratégia, a táctica e a estrutura organizativa, discutir os estatutos, aprovar o programa e eleger os corpos directivos, a reunião plenária tomou também três decisões de proximidade imediata. Assim decidiu, por larguíssima maioria absoluta, não se legalizar como partido eleitoralista, «não por falta das 5 mil assinaturas, mas pelo seu desinteresse em se inserir neste processo eleitoral», recusando entrementes concorrer às eleições burguesas. Deliberou, ainda, criar o jornal LUAR: Semanário Revolucionário, com o lema “Criar Poder Popular! Em Frente Pela Revolução Socialista!”, sob a direcção de Fernando Pereira Marques. Por fim e para assinalar o Congresso, decidiu executar uma medida de grande impacto mediático, aliás em consonância com a prática revolucionária do partido. Assim, a 28 de Fevereiro de 1975 a LUAR ocupa um palacete na Cova da Piedade para ali instalar a Clínica Popular Comunal, que visa a satisfação de reivindicações relativas à melhoria de condições de prestação de serviços de saúde, a denotar um espirito humanitário numa «acção revolucionária». Um acto destinado «a interpretar o sentir do povo e lutar para dar satisfação aos seus legítimos anseios».
Esta primeira parte do Congresso terminou na noite de 24 de Fevereiro de 1975 com uma sessão pública política e musical, aberta ao poviléu, destinada a dar conhecimento das conclusões aprovadas. A sala do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, coalhada de gente ansiosa de ouvir a alocução de Hermínio da Palma Inácio e, delícia das delícias, a efusiva participação dos cantores de intervenção Zeca Afonso, Francisco Fanhais, Sérgio Godinho e Vitorino, vozes de cinco estrelas, «sendo vibrantemente aplaudidos de pé, por toda a assistência», todos de alvoroço e êxtase a conter o coração aos saltos, deleite aos olhos e à alma.
Por paradoxo, três dias de congresso não esgotaram o debate interno. As teses aprovadas seriam remetidas para apreciação das bases, em reuniões plenárias de militantes locais, aspecto absolutamente essencial da democracia proletária dum organismo revolucionário. Por isso mesmo, a segunda parte do I Congresso Nacional da LUAR realiza-se em Lisboa a 1 de Março de 1975. Estava consumada a transformação do movimento «como organização marxista revolucionária, que, numa dinâmica anticapitalista, se insere na luta do proletariado por uma emancipação capaz de operar a revolução socialista que permita a construção de uma sociedade sem classes, onde não exista a exploração do homem pelo homem». A revolução andava de lua a comprazer com tão bons desejos.
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