Marrocos, dunas, campos, rios e matas ainda pouco exploradas
Uma fila de dromedários sacoleja pelo chão de areia avermelhada do Saara, deixando para trás mais um pôr do sol nas dunas de Erg Chebbi, as mais procuradas do sul de Marrocos. Com o céu já escurecendo, os visitantes se equilibram ansiosos sobre o dorso dos animais e partem em direção ao momento mais esperado da viagem: acampar por uma noite no maior deserto do mundo.
Esqueçam barracas de camping, sacos de dormir e fogareiros. Os acampamentos destinados ao turismo no lado marroquino do Saara são versões mais charmosas, com tendas bem decoradas, cama, banheiro privativo e jantar com performances de artistas locais ao redor de uma fogueira regadas a vinho. Com disposição, é possível caminhar até o topo de uma duna próxima ao acampamento e contemplar o incrível céu e o silêncio da noite no deserto.
Para cumprir o trajeto, há opções das mais simples às mais luxuosas, cabendo ao visitante escolher aquela que melhor se ajuste ao seu bolso. Os preços variam de R$ 200 a R$ 1.250, o pernoite por pessoa. Nas categorias superiores, pode-se desfrutar de regalias como cama king size, bolsas térmicas para espantar o frio na hora de dormir e banheiro com água quente. Quer dizer, quente em relação à temperatura do lado de fora, que, em dezembro, chegou aos 3°C. Para os menos corajosos, lenços umedecidos podem ser a salvação.
O Saara é o maior e mais quente deserto do mundo. Mas não se engane. À noite, faz muito frio em qualquer época do ano. A alta temporada é em julho e agosto. Em geral, o tour no deserto é vendido em pacotes que incluem estadia, transporte e passeio de dromedário ao pôr do sol. Mas não é fácil chegar ao Saara. A partir de Marrakech, a viagem costuma ser feita em dois dias. Nela, praticamente se cruza o país de leste a oeste.
São cenários muito bonitos, que se tornaram rota turística. É o Caminho dos Mil Kasbahs, as antigas fortalezas de origem berbere — primeiros habitantes do deserto. Construídas a partir da mistura de argila, estrume e palha, algumas kasbahs são tombadas pela Unesco como na cidade de Ouarzazate, a Hollywood marroquina, e podem ser visitadas. De Marrakech até Ouarzazate, onde se faz outro pernoite, são cerca de cinco horas de estradas asfaltadas pelo interior do país. Boa parte do trajeto é de curvas.
Na segunda etapa da viagem, são mais seis horas de carro até Erfoud, uma das portas de entrada do Saara marroquino. É hora de abandonar o veículo comum e prosseguir num 4x4 para um rali pelas dunas por uns 50 minutos até a próxima parada: subir num dromedário que o levará até a duna mais alta da região de Erg Chebbi, para um pôr do sol, certamente, inesquecível. No mais, é conhecer o acampamento e deixar a noite cair.
NO CORAÇÃO DO ATLAS
Esses dois dias de viagem que levam ao deserto são um choque pela diversidade da paisagem. Não há sinal de dunas ou camelos. Mas campos verdejantes, vales, rios, montanhas e, claro, oásis. A depender da época do ano, oliveiras e tamareiras estarão carregadas à beira da estrada.
O Marrocos é conhecido por sua diversidade geográfica. Essa parte do interior do país, o coração da Cordilheira do Atlas — a maior cadeia montanhosa do Norte da África, que separa o lado verde do desértico —, é o berço da civilização berbere. Assim, se o vistante der sorte, vai avistar nômades que ainda vivem como os antigos habitantes do país. Ao sinal de focos de fumaça na montanha, pode acreditar, são eles.
O Atlas em si é um destino procurado para o turismo de aventura. Além da paisagem grandiosa pela quantidade de montanhas e vales como os do Draa e Dadès, há trilhas, rapel e escaladas. No segundo dia de viagem, o pequeno vilarejo El Kelaa M'Gouna, maior produtor de rosas do país, convida para uma parada. Em lojinhas há água de rosas para uso cosmético e culinário.
Como não é todo dia que se acorda em pleno deserto, vale o esforço de sair da cama um pouco antes do nascer do sol e acompanhar o espetáculo no alto de uma das dunas.
Vielas e comércio da Joia do Reino
Caminhar por Marrakech é ser provocado a experimentar contrastes a todo instante. Imponentes muralhas dividem a cidade em duas dimensões: a medina de quase mil anos e a cidade moderna, eleita em 2015 o melhor destino da África, pela World Travel Awards, uma das premiações mais conceituadas no setor de turismo.
Intramuros, estão as vielas, os palácios centenários ricamente decorados com ladrilhos coloridos e a agitação dos souks (mercados locais). Do lado de fora, são as avenidas largas e arborizadas, os prédios novos e a paisagem monocromática em ocre, cor oficial das fachadas em Marrakech. Isso sem falar da convivência nas ruas entre véus, burcas e taqiyahs (toucas arredondadas usados por homens islâmicos) com minissaias, jeans e topetes cuidadosamente penteados.
Costuma-se dizer por lá que é dessa mistura que vem o charme de Marrakech, a cidade mais visitada do Marrocos. Antiga sede do império marroquino, ela é a terceira maior do país — atrás da capital Rabat e de Casablanca. Tem boa infraestrutura, com aeroportos e rede hoteleira para todos os bolsos. Mas a principal porta de entrada do país, a partir do Brasil, é Casablanca, a quase quatro horas de carro de Marrakech ou a uma hora de avião.
Se o tempo for curto, invista na medina, principal atração de Marrakech. São sete quilômetros quadrados — duas vezes o bairro de Ipanema — de um emaranhado de ruelas disputadas por motos, carros, moradores, lojinhas, ambulantes e turistas. Tudo ao mesmo tempo. Foi lá que Marrakech começou, há quase mil anos, mais precisamente na praça Djemaa El Fna, tombada pela Unesco.
Nela, encantadores de serpentes, acrobatas, músicos, vendedores e barracas de comidas típicas se encarregam da agitação de todo dia. Sem falar dos quiosques de suco de laranja, famoso pela cor e doçura intensas.
BEBER, SÓ EM HOTÉIS E BOATES
No fim de tarde, a praça é o endereço mais disputado para um pôr do sol regado ao tradicional chá de menta marroquino. As varandas dos bares que rodeiam a praça ficam lotadas. Esqueça bebida alcoólica. Na maioria dos estabelecimentos públicos do país, onde 98% da população seguem o islamismo, o consumo não é permitido.
Somente em hotéis e boates bebidas alcoólicas são liberadas a turistas. Visitar a principal mesquita de Marrakech, a Koutoubia, também não é permitido, exceto a muçulmanos.
Apesar dessas restrições, o Marrocos vive no atual reinado de Mohamed VI, de 52 anos, um processo de abertura social. Em 2004, o país fez uma reforma do Código Civil, que deu às mulheres o direito de pedir o divórcio e se casar sem o consentimento de um homem da família. A poligamia continua permitida — limitada a quatro esposas —, mas a nova lei abriu a possibilidade de casamentos monogâmicos. O próprio rei optou por ter uma esposa só, e ela não usa véu como a maioria das marroquinas.
O melhor jeito de conhecer a medina é a pé. Não se desespere caso venha a se perder entre as vielas. A experiência faz parte e, de um jeito ou outro, todos os caminhos levam à praça central.
Pelas vielas, portas de madeira escondem palácios centenários. As grades nas janelas podem fazer alguns acreditarem que o local não é seguro. Mas elas estão ali por outro motivo: impedir que a mulher muçulmana tenha seu rosto visto por estranhos.
Alguns palacetes foram transformados em riads, como os marroquinos chamam pequenos hotéis administrados por famílias. É uma opção de estadia para quem quer viver mais intensamente a cultura local. As grandes cadeias hoteleiras como Hilton, Four Seasons e Sofitel ficam nos bairros modernos de Gueliz e Agdal.
Entrar em uma das farmácias que ainda funcionam à moda antiga dentro da medina é outro passeio curioso. Os remédios, todos naturais, são comprados a peso. Açafrão, por exemplo, além do uso culinário, é indicado como laxante para tratar prisão de ventre. Um pote com oito gramas custa cerca de € 15. Nelas, são feitos também o famoso óleo de argan, muito usado para hidratar tanto o cabelo, quanto a pele.
O comércio é uma tradição à parte no país. Praticamente toda compra feita na medina precisa ser negociada. A oferta de produtos é imensa, de especiarias a móveis. Também há museus dentro e fora da medina sobre a história, arquitetura e cultura marroquinas. Quando o cansaço de tanta agitação bater, pode-se buscar um refúgio no Jardim Marjorelle, no lado moderno de Marrakech. Lá morou o estilista Yves Saint Laurent.
À mesa, como se fosse um marroquino
Não estranhe se vir uma rodinha de comensais dividindo a mesma travessa de legumes, carne e sêmola regados a um molho à base de especiarias. De colherada em colherada, é assim que se come o tradicional cuscuz marroquino no país. Mas não espere esse ritual em restaurantes, principalmente os turísticos.
Tive a experiência de comer como os marroquinos, ao ser convidada para almoçar na casa de uma família na cidade de Agdz, no interior do país. As residências costumam ter o piso coberto por tapetes, e as mesas são baixinhas para se comer sentado no chão. Praticantes do islamismo, apenas os homens da família se juntaram ao grupo de jornalistas brasileiros que estavam em viagem pelo país. As mulheres nos receberam na chegada, mas depois permaneceram em outro cômodo. Antes e depois da refeição, foi servido o tradicional chá de menta, com muitos torrões de açúcar.
A culinária marroquina se apresenta à mesa muito colorida. São ingredientes bastante conhecidos dos brasileiros, como beterraba, pimentão, abobrinha e lentilha, mas que ganham sabores inusitados por causa dos temperos e especiarias. Para entrar ainda mais no clima de “As mil e uma noites", vale fazer uma refeição em restaurantes que funcionam em antigos palacetes na medina.
Ao lado do cuscuz, o prato mais procurado pelos visitantes é o tagine, um cozido de carne (frango, boi ou carneiro), com legumes e uma lista extensa de temperos. Todos os ingredientes ficam no fogo por cerca de 4 horas em uma panela típica marroquina feita de barro e em forma de cone. Elas costumam chegar à mesa ainda borbulhando, e o aroma é delicioso. Assim como pizza no Brasil, há muitas combinações de tempero e ingredientes para o tagine. Dá para provar um tipo diferente a cada dia.
Menos famosas, mas igualmente gostosas, são as pastillas, torta de massa folhada com recheio de carne, de novo, muito bem temperada. Mas nesse caso a especiaria mais pronunciada é a canela, que dá o toque especial ao prato. Ela costuma ser pedida como entrada, mas, com saladinhas, substitui tranquilamente a refeição principal.
Na medina, há muita comida de rua. À noite, na praça Djemaa El Fnaa, é uma barraca ao lado da outra vendendo de tagine a sanduíches locais, como o pão com ovo cozido, queijo processado, cebola crua, molho de pimenta e purê de batata. Tudo misturado num pão redondo fofinho. Em clima bem parecido ao das nossas feiras livres, moradores e turistas dividem mesas ou balcões nessa enorme confusão gastronômica.
oglobo.globo.com
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