Há pouco mais de meio século o Alasca passou a ser oficialmente um novo estado dos EUA, com direito a estrela na bandeira norte-americana. Anchorage, a cidade mais importante desse enorme e remoto território, caraterizado por invernos extremos e gelos quase perpétuos, já deu início aos festejos do seu centenário, que se celebrará em 2015.
Da mesma forma que, no Hemisfério Norte, o Alasca é a mais remota província dos Estados Unidos, a Patagônia, no Hemisfério Sul, é a mais remota província argentina. Tal como esta, é a terra de todos os contrastes, algumas vezes aberta, outras vezes inacessível, sujeita ao vaivém de climas extremos que fazem dela uma coisa no inverno e outra no verão. Claro que há detalhes e particularidades próprias desse fascinante território, que os Estados Unidos compraram da Rússia em 1867.
Uma transação por pouco mais de sete milhões de dólares, que parece impensável nos parâmetros do mundo de hoje e que naquela altura muitos qualificaram simplesmente de “loucura”: mas a gigantesca Rússia precisava de dinheiro, e os Estados Unidos de expansão para uma zona estratégica. O aparecimento de ouro e, mais tarde, de petróleo transformaram a compra do Alasca em um negócio incrível, embora a natureza se encarregasse de equilibrar a balança com um terremoto recordado entre os mais devastadores do mundo.
Hoje, o que leva um viajante a por os pés no Alasca? Alguma curiosidade aventureira, um amor incondicional à natureza, o gosto pela observação da vida selvagem e, muitas vezes também uma genuína paixão pela pesca. Chegar lá não é barato, mas também não é complicado – voos nacionais e internacionais aterram regularmente no aeroporto de Anchorage, há cruzeiros e uma rodovia para se ir de automóvel ou roulotte – e ficar é tentador, apesar das temperaturas que no inverno não dão trégua e variam entre os 5 e os 12 graus centígrados negativos. Por isso, a temporada alta é o verão boreal, quando os dias são frescos mas muito longos e agradáveis, com temperaturas que rondam os 15 graus centígrados acima de zero. O inverno, no entanto, tem um encanto próprio que alguns preferem, e é também a época das corridas de trenós puxados por cães e das mágicas auroras boreais que tingem o céu de súbitos matizes de cores transparentes.
No extremo norte
Anchorage não é a capital do estado, mas sim a sua cidade mais importante. Está equidistante de São Francisco e do Polo Norte, cerca de 3200 quilômetros para cada lado. Embora já pareça suficientemente boreal, o Alasca tem cidades e aldeias ainda mais a norte, como Point Barrow – o ponto mais setentrional dos Estados Unidos – que em 2012 apareceu em Big Miracle, o filme inspirado na épica libertação de uma família de baleias que em 1988 ficou presa debaixo dos gelos do Ártico.
Anchorage foi fundada em 1915, mas os festejos do seu centenário já começaram em maio deste ano e prosseguirão com uma série de exposições históricas até 2015. Sem dúvida os tempos mudaram muito, e o que era apenas um acampamento de pioneiros transformou-se numa cidade moderna, que convive comodamente com a proximidade dos glaciares: encontram-se pelo menos 60 num raio de 75 quilômetros ao redor.
No centro de Anchorage fica o Alaska Zoo, o jardim zoológico do Alasca, um bom lugar para começarmos a nos familiarizar com a fauna da região. Aí se podem observar as águias com o seu vôo majestoso e a sua vista treinada para capturar as presas em vôo. Os gigantescos salmões que saltam no vizinho Ship Creek, despertando a cobiça dos pescadores. Os gigantescos alces que passeiam imperturbáveis na beira dos caminhos, alimentando-se de todo o tipo de folhas ao passar. E os impressionantes ursos que merecem excursões especiais até ao mais profundo do seu habitat.
De Anchorage saem, por exemplo, excursões de pequenos aviões que se dirigem ao sul, pela Baia de Cook, sobrevoando vulcões ativos e rios onde abundam os salmões e deslizam as geleiras. Os passageiros descem na praia de Silver Salmon Creek, onde são recebidos por um guia especializado que lhes transmite os primeiros conhecimentos sobre os ursos e os seus costumes, partindo de lá para os descobrir numa zona de savana próxima à praia. Aí se vêm ursos pardos, porém também existem os ursos de cor preta.
Mais impressionante, porém, é a excursão que, saindo de avião de Anchorage, se interna no Parque Nacional Katmai: aqui existe uma plataforma de observação que permite ver os ursos enquanto capturam salmões que tentam subir as cataratas Brooks. Naturalmente, por causa do clima, essas excursões se fazem unicamente no verão.
Outra opção é viajar até os Montes Chugach, habitat dos alces americanos, que são o ponto de partida para sobrevoar o vale do rio Knik e o vale da geleira Colônia, famoso pelas suas “cascatas de gelo”. Aterriza-se no lago George, onde o Colônia se debruça sobre o lago e desprende enormes icebergs com grande estrondo: um pouco a réplica das imponentes geleiras patagônicas do norte, como para demonstrar que de algum modo os extremos se tocam.
A força dos cães
Para os entendidos, o Alasca é também sinônimo da corrida de cães de tração mais importante do mundo, a Iditarod Trail Sled Dog Race. A corrida toma o nome de uma povoação que é hoje uma aldeia-fantasma, Iditarod, e que nas primeiras décadas do século 20 foi epicentro da febre do ouro: hoje só restam ruínas e lenda. A Iditarod Dog Race realiza-se todos os anos, em princípio de março (quando chega ao fim a melhor temporada de observação das auroras boreais) entre Anchorage e Nome, separadas por quase 900 quilômetros.
Cada musher, ou condutor de trenó, tem de levar um grupo de 16 cães até chegar à meta, uma proeza que demora diversos dias de travessia e que implica desafiar um clima desfavorável, ventos gelados que fazem baixar a temperatura a -50°c e tempestades de neve que levam a aventura a verdadeiros extremos. Esta corrida teve o seu inicio há 40 anos, em 1973. Começou por ser um evento conhecido por um punhado de mushers, mas transformou-se num autêntico desafio reservado aos melhores cães do mundo, capazes de atravessar a tundra, os rios e as montanhas apesar de todos os obstáculos que a natureza coloca à presença humana neste extremo norte do mundo.
Em 2011, foi batido o último recorde, com um tempo total de oito dias e 19 horas. Viajar para o Alasca nesta época do ano permite apreciar até que ponto a Iditarod é um acontecimento importante, com mushers que são autênticas celebridades locais ou internacionais. O único musher do Hemisfério Sul que competiu e terminou a Iditarod vem do sul argentino e é o já lendário Gato Curuchet, que cria cães de tração nos vales da Terra do Fogo. Porque, uma vez mais, um extremo e o outro do mundo voltaram a tocar-se.
Vídeo: Começa a Corrida de Cães de Trenó – Iditarod 2014
Vídeo: Trailler do filme Big Miracle, de 2012, inspirado na épica libertação de uma família de baleias que em 1988 ficou presa debaixo dos gelos do Ártico.
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