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quinta-feira, 21 de abril de 2011

no lado errado

parecia ter o corpo desequilibrado, caído
altivo, não diria que tivesse o rosto
o pouco sol projectava a sua sombra na cal do sol posto
ali estava ele, no lado errado
afinal... desse lado, nunca tinha saído
nem o tinha assaltado qualquer vontade de protagonismo
barbeava-se de manhã sem o perfume do egoísmo
tarefa que por vezes o deixava cansado
mudar a cara, mudar a cara repugnava-o
o pensamento, esse, mantinha-o asseado
e uma ponta de orgulho sossegava-o
ali estava o homem, calado
caminhando todos os dias na antecipação dos sonhos
diluindo-se nessa essência, nesse torpor doce
gardénias, magnólias, rosas, cravos floridos para dentro dos olhos
acreditou com um invisível sorriso
que o lado errado para ele, o lado certo fosse
que o lado errado era o lado preciso
algo dentro dele, nas entranhas
lhe corre pelas veredas da dignidade
e o leva a odiar sem ódio
a pesada respiração dessas figuras estranhas
habitantes das esquinas, do marasmo e imobilidade
erradamente sempre no pódio
no lado errado ! talvez ! no lado errado !
com ele, iam morrendo mil projectos
páginas de romance não publicado
guilhotinando cruelmente amor e afectos
que conseguiu no seu lado errado
e lhe fizeram correr por dentro, ribeiros completos
ali estava o homem, na cal da parede projectado
a sombra abandonou-lhe o corpo sem o trair
estão agora os dois, do mesmo lado
já se interrogaram
quem achar que está do lado errado
pode sair !


António Garrochinho

1 comentário:

ausenda hilário disse...

O lado errado é tão só o lugar da inércia, do desamor, a face medonha das máscaras.

Maravilhosa esta prosa poética, reflexiva, que desce até às entranhas da nossa própria interrogação!
"...caminhando todos os dias na antecipação dos sonhos
diluindo-se nessa essência, nesse torpor doce..." como os poetas! Lindo. Parabéns!