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quinta-feira, 26 de julho de 2018

VÍDEO - MINA DE SÃO DOMINGOS - O FILME



VÍDEO


Mina de São Domingos - O Filme from João Abecasis Fernandes on Vimeo.



Documentário experimental sobre a Mina de São Domingos, no Alentejo, fundada no século XIX pela companhia inglesa Mason & Barry.
Descrição e Nota de Intenções:
A história da Mina de São Domingos conta com séculos de exploração, desde a antiguidade, e desde o século XIX até aos anos 60. Geologicamente, a Mina pertence à faixa piritosa ibérica. Os vestígios de exploração mineira remontam a antes do Império Romano, e ainda se encontram escoriais e escombreiras desse tempo nos arredores da corta da Mina. Em 1854, Nicolau Biava redescobre os terrenos e a sua potencialidade, e por volta de 1857 a companhia inglesa Mason & Barry obtém uma concessão de exploração dos donos dos terrenos, a Sociedade Mineira espanhola La Sabina, e inicia mais de um século de extracção de milhões de toneladas de minério. Em 1966 a Mina fecha as suas portas, por esgotamento de recursos. Hoje em dia permanece abandonada, uma paisagem erma pautada de ruínas das antigas oficinas, escritórios, estações e fundições, e de lagoas de águas ácidas cor de sangue.
Ao chegarem à Mina de São Domingos, os ingleses trazem consigo uma forte marca do império britânico. Constroem nos arredores dos terrenos da Mina um caminho-de-ferro e uma aldeia operária que abrigue todos os trabalhadores, agrupados em bairros consoante as funções que desempenham na estrutura mineira. Os postos mais especializados têm direito a melhores condições. São cerca de 16 m2 por família. Na “zona inglesa” constroem-se palacetes, espaços de lazer, e até um cemitério só para ingleses onde os mortos eram enterrados em solo trazido de Inglaterra... A estratificação hierárquica e a rigidez da sociedade inglesa cedo se fundiram com a cultura da própria localidade. Ao longo dos anos os ingleses estendem o seu domínio, construindo estações de lixiviação dos minérios e complexos industriais para a produção de enxofre. Os engenheiros vinham de várias partes do mundo, ávidos por trabalhar com as tecnologias industriais pioneiras que ali estavam a ser desenvolvidas. Os operários, mineiros, mecânicos e outros funcionários vinham de todo o resto do Alentejo, do Algarve, das Beiras, de Espanha, arriscando a vida diariamente com o seu trabalho nas oficinas, estações e caldeiras, e em poços e galerias subterrâneas com mais de 400 metros de fundo. 
Hoje em dia ainda podemos ainda encontrar alguns destes mineiros reformados, que recordam vivamente as dificuldades daquele tempo, e do trabalho na Mina. A relação com os ingleses era difícil, e subserviente. Existia inclusivamente uma polícia privada que zelava pelo interesse britânico, controlando qualquer tipo de distúrbio. Os mineiros passavam dias ao sol nas secções de lavra a céu aberto, e sempre que desciam abaixo da terra não faziam conta de voltar vivos, sempre atentos aos guinchos dos ratos que pudessem indicar um desabamento. Muitos perderam a vida por falta de condições de segurança e de trabalho. Os minérios eram extraídos e processados na Mina para serem depois transportados através de um caminho-de-ferro de via reduzida com cerca de 17km até ao Pomarão, um pequeno porto fluvial no Guadiana, também construído pela Mason & Barry. Daí seguiam para Vila Real de Sto. António por via fluvial, e até Liverpool por via marítima.
A pequena aldeia, pelas suas vicissitudes e cicatrizes, desenvolveu-se numa espécie de “ecossistema social” com uma mentalidade e forma de ver a vida única, e completamente distinta de todo o resto do Alentejo. Aqui o saber popular é antigo, e olha a Mina como uma entidade, sempre com respeito e temor. São Domingos parece constantemente um local à parte do mundo.
Forma
O filme é composto por duas partes:
1ª parte: O Homem
Planos esteticamente cuidados dos locais da vila, onde são criadas relações de antagonismo entre a ostentação da zona inglesa e a miséria da zona operária. Depoimentos de antigos mineiros e outros residentes da vila e do Pomarão, onde são abordados vários temas: a relação dos portugueses com os ingleses na Mina de São Domingos durante o período em que foi explorada, as dificuldades daquele tempo, o trabalho árduo na mina, os processos desse trabalho, o trajecto do minério, o abandono, a revolta, a terra.
2ª parte: O Local
Planos esteticamente cuidados e megalómanos da mina, com o intuito de recriar o ambiente, reproduzir a atmosfera dos locais, criar um universo com emoções e profunda estranheza ao olhar. Poema recitado em voz-off, que se torna o condutor da acção e do fio narrativo. As suas rimas (mesmo que não literais) espelham-se nos planos que as acompanham. A natureza plástica da imagem funde-se com o lirismo. Intelectualiza-se a partir do âmago do Local, do espírito das coisas inanimadas e abandonadas, da relação do homem invisível com a terra que lavrou e lavou com o seu suor.
Objecto e tratamento poético
O poema que acompanha a segunda parte deste projecto tem como objectivo representar a Mina de São Domingos como local e como um ente. Para tal a Mina é o enunciador do discurso num poema dramático cuja expressão é lírica. Olhando retrospectivamente para as várias vivências a que foi testemunha, a Mina apresenta-se como a continuação de todos aqueles que no seu espaço trabalharam, viveram e morreram. O tempo é um ponto fulcral do discurso, pois é através deste que a Mina ganha corpo, corpo esse composto pela alma de todos aqueles que na sua história foram intervenientes. O tempo será encarado não como algo fixo, mas sim um fluído fluxo de tudo o que se passa e anteriormente passou, tomando como princípio fundamental que o tempo presente contem em si todo o tempo passado.
O poema tem duas partes, sendo a primeira um monólogo do sujeito poético, apresentando-se a si e à sua história, cobrindo desde a exploração fenícia da Mina até ao presente abandono da mesma. Este discurso baseia-se numa rede de símbolos sem significado fixo, mas sim fluído e orgânico, que se entrelaçam na composição de uma cadeia de significados subjectiva, complexa e indirecta que visa atingir a máxima expressão da Mina não só como um ser, mas como uma mistura de seres que se fundem numa consciência amorfa, alongando-se e prolongando-se através do tempo. A primeira parte será apresentada através do verso livre, em que o metro não se opõe à livre expressão dos vários significados que nela serão expostos.
A segunda parte é espaço para uma mudança de forma, adoptando uma métrica que se baseia no metro da tragédia clássica Prometeu Agrilhoado, como apresentada e adaptada para o português por Eduardo Scarlatti. Esta segunda parte concentra-se num diálogo entre a mina e o coro de trabalhadores, sendo este coro formado por mineiros e engenheiros. O objectivo é realçar a dimensão dramática daqueles que laboraram uma vida inteira na Mina, daqueles que nela viram a possibilidade de encontrar o começo para uma nova vida, como também daqueles que lá perderam suas vidas. Esta segunda parte visa encontrar uma forma de expressão capaz de atingir momentos de elevado cariz trágico e Humano, em que o coro de trabalhadores, ora exaltadamente ora languidamente, se apresenta como uma chama extinta que teima em arder, enquanto a Mina, como que respondendo à inquietação do coro, questiona-se sobre a sua identidade enquanto local saqueado pela constante exploração Humana. Ao longo do diálogo memórias são evocadas tanto pelo coro como pela Mina, numa luta incessante e no entanto algo esgotada contra a inevitabilidade da morte. A Mina expressa-se através do Melodrama (arrastado, marcado, vivo e falado), enquanto o coro encontrará sua voz na forma Tríade Epódica (Estrofe, Antístrofe e Épodo), tal como através de uma canção popular que aparece inserida por entre o diálogo.
Nota de Intenções
A mina possui um ambiente indescritível, pela paisagem desolada e avassaladora e pelo próprio ar que se respira. A História confere-lhe uma aura mística, difícil de explicar a quem nunca lá esteve.
Antes de ir lá a primeira vez, soube que a minha família materna (de ascendência judaica) se estabeleceu em Portugal pela primeira vez precisamente na Mina de São Domingos. O meu tetravô Joseph veio de Gibraltar para ser engenheiro da companhia inglesa que explorava o minério. Havia um propósito nesta minha primeira viagem: encontrar o antigo pombal em ruínas com uma placa de azulejo com o nome do meu trisavô, filho de Joseph. A ligação a este local aprofundou-se ainda mais, e deu lugar a um profundo fascínio pelo seu misticismo. Este filme trata essencialmente os locais em si, e as suas memórias, mas não pretende ser um louvor aos mineiros. Eles servem o filme na medida em que localizam, em termos históricos, culturais e sociais a verdadeira personagem principal. O filme tem duas partes distintas, sendo que a primeira contextualiza a mina sem mostrar imagens desta. O imaginário constrói-se a partir das palavras e descrições dos mineiros, e das construções inglesas na vila. Na segunda parte tomamos contacto visual com a mina, ouvindo a expressão do seu lamento através da poesia


vimeo.com

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