A realidade tem muita força. Sobretudo esse arreliador e desagradável poder de dinamitar as encenações que por aí vagueiam, fora e dentro de portas, sobre a União Europeia. Horas infindáveis de discursos, promessas e profissões de fé sobre uma «Europa» de coesão ou um euro amigo da economia fenecem perante a agenda que determina os objectivos que justificaram a criação da UE e determinam a sua existência. É possível que se continue a ouvir repetidas, por convicção ou posicionamento táctico, essa ambicionada ilusão de ver compatibilizada uma estratégia de desenvolvimento soberano com o diligente cumprimento de regras orçamentais impostas pela Comissão Europeia. Até é possível, como se tem comprovado, que haja quem alimente essa miragem de tomar como expectável que o cumprimento mais ou menos próximo das imposições dos centros que comandam o processo de integração europeia fosse reconhecido e traduzido em ganhos de soberania. Tudo em vão.
Pouco mais de uma semana passada sobre uma emissão de dívida pelo País a taxas de juro usurárias, eis de novo a voz dos instrumentos de dominação do costume a recolocar no sítio a ordem natural da coisa e a prevenir contra veleidades. De um lado, o Eurogrupo alertando para as provas julgadas insuficientes por essa instituição omnipresente que dá pelo nome de «mercados» que justificariam a sua desconfiança. Do outro, a inefável chanceler Merkel vociferando por mais exigências de «consolidação», ou seja pela receita que PSD e CDS na sequência dos PEC e pacto de agressão impuseram num passado recente. Ao que se soma, sob o seu comando e para o seu uso, as agências de rating programando os momentos e níveis de especulação mais adequados à insaciável estratégia de exploração, empobrecimento e dominação. Num país atrelado a metas e a uma trajectória de redução suicidária do défice que amputa o crescimento e o investimento e amarrado a uma dívida que consome os recursos nacionais, qualquer observação com a mínima de lucidez obriga a concluir que não há «saídas limpas» sem romper com constrangimentos e imposições externas, que da dívida ao euro submetem Portugal e comprometem a sua soberania.
Jorge Cordeiro
www.avante.pt
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