Anarquismos
Ontem, à hora de almoço, passei em frente à morada onde esteve instalado o restaurante "Os Anarquistas", junto ao teatro da Trindade. O que por lá está hoje já não lembra o que foi. Era um dos mais antigos restaurantes de Lisboa, criado em 1906, por décadas pouso de artistas, intelectuais, jornalistas e outros frequentadores de animadas tertúlias. Diz-se que o nome viria mais dessa agitação verbal do que de qualquer vocação libertária. Recordo-me de, nos anos 70, quando trabalhei na zona do Chiado, ter lá comido algumas vezes, curiosamente sem grande memória apreciativa do que o restaurante servia, registando apenas que não era muito barato e que fazia parte da tradição de cozinha de galegos que muito marcou a restauração de Lisboa.
Há anos, um amigo meu passou em frente ao restaurante e, num impulso, decidiu almoçar por lá. O nome tinha mudado e ele achou curioso experimentar o que propunha a nova gerência. Entrou, sentou-se, pediu a lista à empregada e começou a ler o seu jornal. Quando levantou os olhos, notou, com alguma perplexidade, que naquele espaço só havia mulheres, em todas as mesas à sua volta. Essa estranheza foi reforçada pelo facto de algumas delas deitarem olhares insistentes para a mesa onde ele estava, sozinho, a aguardar o que tinha encomendado. A persistência dessas miradas começou mesmo a incomodá-lo.
De repente, teve um sopro de conforto: tinha acabado de entrar uma velha amiga! Finalmente, ia quebar o seu isolamento! A reação da amiga, contudo, surpreendeu-o: "O que é que tu estás aqui a fazer?!". De início não percebeu o espanto mas o sorriso malicioso da sua agora companheira de mesa acabou por fazê-lo compreender no que se metera! O espaço que sucedera a "Os Anarquistas" era agora um lugar gay feminino! A amiga, uma conhecida figura pública que ele sabia ter essa tendência, estava divertidíssima. Ele, logo que pôde, pôs-se a milhas...
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