Um ano em cheio
Hoje, é 5 de Junho. Faz hoje precisamente um ano que os portugueses, uns votando, outros abstendo-se de fazê-lo, foram solidariamente responsáveis pela maioria parlamentar PSD-CDS que suporta o actual Governo. Desde então, não parámos de cair. As variáveis macroeconómicas mostram os vários traços de um ano de descalabro. Foi um ano pejado de atropelos à Constituição da República portuguesa, nos quais se destacaram o novo Código laboral da exploração e da precariedade supletiva e o roubo de subsídios de férias e de Natal a funcionários públicos e pensionistas durante um número indeterminado de anos e o confisco, generalizado a todos, do subsídio de Natal, a título extraordinário, no final de 2011. Foi um ano de desregulação das relações laborais que obteve como resultado mais que lógico uma contracção de salários, logo, do consumo interno. Foi um ano inteiro a destruir a nossa economia e o nosso tecido produtivo. Foi um ano em que o desemprego cresceu como nunca. E foi um ano inteirinho a semear pobreza. Mas também riqueza.
De facto, juntamente com a catástrofe que se foi agigantando, o último ano foi marcado por um enorme aumento das desigualdades. Quem quis ver, ou, dito de outra forma, quem não permitiu que a sua percepção da realidade se tornasse refém da excelente máquina de propaganda com que o regime a distorce, pôde percepcionar a implementação de uma agenda política que mais não é do que uma receita de enriquecimento de uma minoria através do empobrecimento de todos os demais. As grandes fortunas conseguiram sobreviver mais um ano sem qualquer imposto que pusesse os mais afortunados a contribuir solidariamente para a sociedade que os enriqueceu. Os portugueses aceitam-no com indiferença e a adesão a tantas e tantas “causas solidárias” que se multiplicam como cogumelos mostram uma preferência, estranha porque solidária sobretudo para com os mais ricos, pela substituição desses impostos, que continuam a poder não pagar porque há quem pague na sua vez, por milhares de toneladas de migalhas amontoadas pelas suas generosidadezinhas imunes a tão gritante injustiça fiscal.
Ainda ontem, data escolhida para o balanço de mais um trimestre de “sucesso” da implementação do memorando da troika, que materializa parte da agenda política atrás referida, lado a lado com o optimismo incontido por uma tragédia com liberdade para crescer e multiplicar-se, foi percepcionável como é repartido o prémio pelo bom desempenho da nossa obediência. Assim, ao abrigo do “resgate financeiro a Portugal:
– da troika para o Estado português giram 4,1 mil milhões de euros, mais um contributo para uma dívida pública assumidamente acrescida de 3% do PIB no final do ano (118%,).
– do Estado português (contribuintes) direitinhos para a banca, ao abrigo do afinal resgate ao sector financeiro português, rolam 6,65 mil milhões de euros, dos quais 1,65 mil milhões vão para a Caixa Geral de Depósitos e 4 mil milhões, apenas 100 milhões menos do que a totalidade da tranche, para os privados BCP e BPI.
– do sector financeiro para os empreendedores irão anualmente (poderão ir) uns ridículos 60 milhões de euros. Como contrapartida pelos milhões que receberam dos contribuintes, o Governo apenas quis exigir da banca o compromisso de fornecer liquidez às PME num valor a rondar os 0,9% do total do encaixe.
– do Governo português para os patrões fica a promessa de um prémio à sua adesão à causa da generalização do salário mínimo, a pagar com as reformas futuras dos portugueses através de uma redução na TSU que decresce à medida que as remunerações pagas a novos contratados se afastem do limiar prescrito como ideal para todos.
– do Governo para os rendeiros do país fica a promessa de que, caso a troika insista em reduzir as rendas da energia que anteriormente se recusaram a diminuir mais do que simbolicamente, haverá privatizações a preço de saldo de outros sectores estratégicos com o mesmo – ou até maior – potencial de enriquecimentos passivos.
– finalmente, da troika para o Governo e deste para os portugueses que vivem do seu trabalho… um pau. O pau que lhes mimará os lombos com nova dose da desregulação laboral que lhes faz encolher os salários e, caso o sector financeiro necessite de mais dinheiros públicos e haja novo resgate, novo agravamento fiscal e despedimentos em barda na Administração pública. Como na Grécia.
E dos portugueses para o Governo? Qual a reacção maioritária ao ano mais negro da nossa História depois do 25 de Abril? Gratidão, devoção, Vontade de repetir a dose. Se as eleições fossem hoje, dizem-no as sondagens, a fidelidade do eleitorado continuaria a contar com o mesmo abstencionismo militante para reeleger uma qualquer combinação PSD-PS-CDS: embora o Bloco de Esquerda e a CDU registem uma pequena subida nas intenções de voto, juntos, os três partidos que garantiriam uma continuidade nas políticas da destruição em curso obteriam um resultado da ordem dos 75% do total. Não, não foi um ano negro. Foi um ano em cheio. Não admira que já haja quem esteja a trabalhar na habituação à ideia de mais uma reforma “estrutural necessária, abrindo caminho para um aumento da idade da reforma para os 80 anos. Ninguém os trava, eles avançam. Os prémios para a sociedade de salários mínimos que deixarmos substitua a actual já estão escolhidos. Para os mais distraídos, nota-se haver para aí demasiados, aumentar a idade da reforma num país onde, na maioria dos casos, aos 40 já se é demasiado velho para trabalhar e demasiado novo para a aposentação, significa fome. Fome. Será este o prémio para tanta resignação.
blog O país do burro
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