Carlos Braga in facebook
Num ápice, num simples estalar de dedos, aparece dinheiro a rodos (já se fala em 600 milhões de euros) para reerguer o que a goela hiante das chamas devorou na Notre-Dame. O Abre-te Sésamo da solidariedade escancarou, num golpe de pura magia, a entrada na gruta dos milhões.
Ainda bem que assim é. É comovente esta generosidade dos Louis Vuiton, dos Moet e & Chandon, dos Christian Dior e tutti quanti. Uma catedral gótica reconstruída por marcas de luxo sempre tranquiliza mais as boas consciências que se movimentam na selva dos mercados do que um monumento em ruínas, não vá ele simbolizar uma Europa decadente, cada vez mais despida de referências identitárias e dos seus valores fundacionais.
Dá que pensar, esta dádiva das multinacionais, agora publicitada à escala global pela poderosa caixa de ressonância que são os meios de comunicação de massa. É uma pena que tanta generosidade, tão repentina e que aparentemente nos conforta, não seja igualmente canalizada para os que todos os dias passam fome ou a custo sobrevivem a catástrofes que estas “almas sensíveis” de algum modo também ajudam a fomentar.
O nosso coração não pode partir-se apenas ao ver tombar, com fragor, o pináculo da catedral parisiense. Há outros incêndios – muitos deles interiores – a reclamar por uma generosidade inadiável. Não lhes acudir com a brevidade que tais “dramas em gente” requerem, ajuda a transformar a natureza destes apoios tão velozes em pura dádiva de hipocrisia materialista.
E leva-nos a perguntar, como fez o meu amigo Jorge Pires Ferreira: "Caramba, viram as chamas de horas, mas não ouviram os gritos de séculos?"
(Ilustração: Vasco Gargalo)
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