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sábado, 27 de abril de 2019

Cumplicidades socialisto-privadas

estatuadesal.com



(João Ramos de Almeida, in Blog Ladrões de Bicicletas, 26/04/2019)
(Depois de ler esta análise comparativa entre a versão da proposta inicial do Governo da Lei de Bases da Saúde, e a versão que o Grupo Parlamentar do PS veio agora apresentar, fiquei com os cabelos em pé. Não são só as PPP na saúde que se mantém mas é tudo aquilo que poderia prejudicar o negócio dos privados, e que estava na primeira versão, que é abolido. E denunciar isto não é ser contra o PS mas sim contra o PS dos interesses e das negociatas por baixo da mesa. 
Eu não tenho dúvidas de que pessoalmente António Costa assinaria de cruz a versão inicial e que foi a bancada parlamentar comandada pelo maquiavélico César que o forçou a mudar, aparentemente, de atitude. 
Denunciar esta manobra é  obrigação de todos os socialistas que querem um SNS público, generalizado e gratuito, sejam ricos, pobres ou remediados, pois só assim António Costa terá força para se opor aos vendilhões do templo.
Comentário da Estátua de Sal, 27/04/2019)


Agora que se conhecem os documentos acordados com o Governo e aqueles que foram modificados pelos deputados do PS, é possível ver quais as verdadeiras preocupações dos deputados socialistas.
E as diferenças não são apenas nas Parcerias Público-Privadas (PPP) e nas taxas moderadoras. É bem mais vasto e trata-se de um verdadeiro caderno de encargos favorável ao sector privado, num ataque ao SNS. 
Nem se compreende como é que o PS envereda por esta declaração de guerra, sem qualquer justificação política.

Primeiro, a gestão privada dos estabelecimentos hospitalares públicos  em PPP. Antes dizia-se: “A gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública, devendo a escolha dos titulares dos seus órgãos de administração respeitar os princípios da transparência, publicidade, concorrência e igualdade”. 

Agora, diz-se “A gestão dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde é pública, podendo ser supletiva e temporariamente assegurada por contrato com entidades privadas ou do setor social.”
Segundo, o financiamento do SNS. Antes, definia-se que “O financiamento a que se refere o nº1 [O financiamento do SNS é assegurado por verbas do Orçamento do Estado] deve permitir que o SNS seja dotado dos recursos humanos, técnicos e financeiros necessários ao cumprimento das suas funções e objetivos.” 

Agora, a proposta dos deputados do PS deixa cair esta obrigação.

Não é uma questão de somenos. 
Tem sido o subfinanciamento crónico que tem gerado ineficiência e ineficácias do SNS e aberto a porta ao negócio do sector privado da Saúde. Sem criação de uma procura, o mercado do sector privado na Saúde não existe e não tem como sobreviver.  Ao retirar a obrigação pública de dotar o SNS de um financiamento adequado que pague o seu funcionamento, os seus profissionais, está a criar-se um monstro que tende a definhar e a gerar um mercado de Saúde.

E há muito mais… 

Terceiro, taxas moderadoras. Antes, escrevia-se: “Tendo em vista a correta orientação dos utentes, é dispensada a cobrança de taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas demais prestações de saúde, se a origem da referenciação para estas for o SNS.” 
Agora, escreve-se: “A lei pode prever a cobrança de taxas moderadoras, tendo em vista o controlo da procura desnecessária e a orientação da procura para respostas mais adequadas às necessidades assistenciais, sem prejuízo de poder determinar a isenção de pagamento, nomeadamente em função da situação de recursos, de doença ou de especial vulnerabilidade“

Ou seja, aquilo que era taxativo – “é dispensada a cobrança de taxa moderadora nos cuidados de saúde primários e nas demais prestações de saúde” – passa a ser uma possibilidade. E note-se a diferença entre uma aplicação generalizada que passa a ser circunscrita à situação de recursos, de doença e de vulnerabilidade.

A taxa moderadora tinha duas funções: desincentivar um acesso desnecessário aos serviços, mas ao mesmo tempo e como os sucessivos governos foram elevando o seu valor que durante muito tempo foi superior aos preços praticados no sector privado, acabavam por gerar um incentivo ao recurso ao sector privado. 
Ao impedir o seu fim, os deputados do PS mantêm o incentivo ao sector privado. 
E por outro lado, ao acabar com a sua universalidade e ao impor uma espécie de “condições de recursos” criam uma desigualdade de tratamento entre cidadãos cujo espírito não está na matriz do SNS.

Quarto, recurso ao sector privado. Antes escrevia-se sobre a possibilidade de contratos do SNS com entidades privadas: “Tendo em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS, e quando o SNS não tiver, comprovadamente, capacidade para a prestação de cuidados em tempo útil, podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado, do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade”. 

Agora, ficou o mesmo princípio, mas sem aquela condição: “Tendo em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS, podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado, do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade.”

Ou seja, os deputados do PS desvincularam-se de qualquer pré-requisito de defesa do SNS e passaram a ser verdadeiros embaixadores do sector privado, ao abrir a porta – sem condições – à subcontratação ao sector privado.

Quinto. Seguros de Saúde. Antes, escrevia-se: “Os seguros e os planos de saúde são de adesão voluntária e de cobertura suplementar ao SNS“. Agora, ficou: 
“Os seguros de saúde são de adesão voluntária e de cobertura complementar ao SNS.

Ou seja, o que antes apenas se circunscrevia ao que poderia ser “suplementar” – leia-se, como o que não fosse prestado pelo SNS  – agora abre-se o seu âmbito a tudo o que possa ser “complementar”, o que é uma noção bem mais vaga. O mesmo serviço com uma amplitude maior é ou não complementar?
Sexto, carreiras dos profissionais da Saúde. Veja-se isto, que parece escandaloso. Todo este capítulo caiu:

Profissionais de saúde do SNS 

1. Os profissionais de saúde que trabalham no SNS têm direito a uma carreira profissional que reconheça a sua diferenciação na área da saúde.

2. O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize a dedicação plena como regime de trabalho dos profissionais de saúde do SNS podendo, para isso, estabelecer incentivos.

3. É promovida e assegurada a formação permanente aos profissionais de saúde do SNS.
Ou seja, os deputados do PS acharam por bem manter aquilo que se passou ao longo de décadas e que tem explicado a passagem de profissionais do SNS para o sector privado: a desarticulação dos serviços e de carreiras. Aderiu-.se assim à filosofia de que não deve haver um Serviços Nacional de Saúde, mas um Sistema Nacional de Saúde em que o SNS é apenas mais um dos serviços que é possível encontrar na sociedade. 

Trata-se de uma assunção violenta contra o SNS.

Os deputados socialistas terão de explicar muito bem o que os levou a tamanho disparate! 
Corolário: Parece que a proposta que saiu da negociação com o Governo foi bem revista por alguém que riscou tudo o que prejudicava os interesses privados. É, pois, da maior transparência possível que se saiba o que realmente se passou neste período de tempo. Porque parece bastante grave.

Espero bem que os senhores deputados socialistas, a que se junta a lista completa e dos que têm assento na comissão parlamentar de Saúde, possam ser chamados à pedra e dêem explicações detalhadas de como se operou esta alteração. Porque, independentemente do direito de opinião, um cidadão questiona-se por que razão foram tão minuciosas as alterações dos textos que poderiam melhorar o sector público.

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