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segunda-feira, 29 de abril de 2019

EU CONHECI ESTE PARAÍSO (AG) - Em Bubaque, nos Bijagós, pensa-se como a educação ambiental pode ajudar a enfrentar as alterações climáticas

www.msn.com

Expresso


Num dos locais do planeta mais ameaçados pela subida do nível do mar e por fenómenos extremos, debate-se “ a crise climática e as migrações”. Mais de quatrocentas pessoas de quatro continentes trocaram experiências e saberes

Manhã cedo ainda se sente o cheiro das fogueiras onde o lixo foi queimado ou ainda arde. 
Restos de plástico, pilhas e outros resíduos que não tenham sido limpos pelos abutres que pousam nos telhados, ou pelos cães, porcos ou cabras que andam pelas ruas, acabam incinerados ao lado das casas de adobe e telhado de zinco. Em redor das fogueiras veem-se crianças de roupas gastas e sujas a brincar sem a mínima noção das dioxinas que respiram.

Riem-se entusiasmadas com a enchente de gente de fora que inundou a ilha, Bubaque, capital do arquipélago das Bijagós, localizado a hora e meia de Bissau em lancha rápida ou a quatro horas numa espécie de ferry.
Entre 14 e 18 de abril, a pequena cidade de pouco mais de quatro mil habitantes recebeu o maior evento da CPLP organizado pela sociedade civil. Durante quatro dias, cerca de 416 pessoas - originárias de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e da Galiza, debateram “a crise ecológica e as migrações” no quinto Congresso internacional de educação ambiental, co-organizado, este ano, pela delegação guineense da Rede Lusófona e pela Associação Portuguesa de Educação Ambiental (Aspea).

O arquipélago dos Bijagós e a costa ocidental da Guiné correm sérios riscos de ficar submersos com a acelerada subida do nível do mar. Esta “é uma ameaça muito relevante para a Guiné-Bissau”, confirma Meio Dia Có, técnico do Instituto da biodiversidade e das áreas protegidas (IBAP), perante uma plateia oriunda de quatro continentes, que quer saber mais sobre estas ilhas. Sentados nas velhas secretárias de madeira do liceu de Bubaque trocam saberes e experiências.

Idai fornece o alerta

A memória recente do ciclone Idai que devastou a Beira em Moçambique serve de alerta face à urgência de agir na proteção do ambiente e de preparar ou adaptar os países mais vulneráveis face às ameaças que sobre eles pairam, lembram vários dos intervenientes. “Se tivéssemos prevenido, aquilo não teria acontecido daquela maneira”, reforça Regina Charumar, da cooperativa de educação ambiental ProjA de Moçambique. O problema é que já se preparam para reconstruir nas mesmas zonas de risco, sem terem em conta as lições da tragédia.

A Guiné é um dos 10 países mais vulneráveis face às alterações climáticas. Em Bubaque, uma das 21 ilhas povoadas deste arquipélago que resultou da subida de um delta, a erosão costeira já se faz sentir. Com a maré alta a areia quase desaparece das praias e os mangais (ecossistemas que servem de berçário a muitas espécies e também de sumidouros de CO2) já refletem a pressão.

Como se as divindades animista por que se regem já os tivessem advertido dos perigos que espreitam, nas ilhas mais isoladas, como Canhabaque ou Orango, as tabancas (aldeias) ficam distantes das praias, algumas a uma hora de distância a pé.

A intrusão salina já começa a afetar os recursos aquíferos e os arrozais. As chuvas tendem a chegar cada vez mais tarde e em menor quantidade e a seca faz-se sentir afetando as hortas comunitárias. O que ainda melhor resiste são as palmeiras de cujo fruto, o chabéu, fazem vinho ou óleo de palma ou de cujas folhas, casca ou ramos fazem materiais para construção.

Gestão do espaço e dos recursos de acordo com as regras antigas

“A gestão do espaço e dos recursos do arquipélago sempre foi feita pelo povo bijagó seguindo as regras transmitidas oralmente pelos anciães”, conta Meio Dia perante a plateia atenta. “Ser bijagó significa passar pela escola do mato e a comunidade participa na gestão do território e os régulos de cada tabanca transmitem as regras aos que nelas vivem”. Em algumas ilhas estabelecem-se “tabus”, ou regras mais restritas, para impedir a construção de novos resorts turísticos, o crescimento da agricultura intensiva ou a sobrepesca.
“Estes países africanos estão entre os mais vulneráveis. E se não se adaptarem rapidamente muitas mais pessoas vão morrer”, alerta Luísa Schmidt, uma das conferencistas e membro do conselho científico do congresso, reforçando que “a educação ambiental na escola pode ajudar na transformação”. 

A ideia é reforçada por Anabela Carvalho, investigadora da Universidade do Minho: “Um estudo publicado na revista Science indica que o investimento na educação conduz a uma maior redução do número de mortes em situação de fenómenos extremos do que o aumento do PIB”.

Mas aqui não se fala só de alterações climáticas. Investigadores, professores ou membros de organizações não governamentais assim como técnicos de entidades públicas ou até de empresas privadas apresentam os projetos que estão a desenvolver nos seus países ou em cooperação. Brígida Brito, investigadora na universidade Autónoma explica como um projeto desenvolvido junto de uma comunidade de tartarugueiros de São Tomé e Príncipe conseguiu converter o seu modo de sustento, deixando de matar tartarugas e passando a utilizar corno de cabra para fazer os artefactos que vendem a turistas.
Expresso© DR Expresso
Os participantes saltam de sala em sala em busca do que lhes parece mais interessante. Numa delas, dois técnicos da Agência Portuguesa do Ambiente, Rita Fernandes e Augusto Serrano, partilham a sua experiência sobre processos de avaliação de impacte ambiental e os passos importantes a seguir. Surgem observações sobre como “é difícil demonstrar às comunidades locais a tentativa de salvaguardar valores ambientais” e de como alguns poderes políticos africanos contornam as leis para fazer passar determinados projetos.

Flagelo da poluição de plástico não se fica pelo que é visível

Nesta ilha, onde não há água potável, nem saneamento básico, nem tratamento e recolha adequada de lixo, um guineense fica incrédulo quando Sofia Quaresma e Paula Sobral, da Associação Portuguesa de Lixo Marinho explicam que o flagelo da poluição de plástico não se fica pelo que é visível, mas que é muito maior se pensarmos nos microplásticos ou nanoplásticos que resultam da degradação dos plásticos no mar ou das microfilmas das roupas sintéticas que lavamos.
Durante os dias do congresso não se vê muito lixo pelo chão, nem nas praias dos hotéis. Um jovem da associação ambiental local Andorinha explica que recolhem alguns lixos para diferentes fins: muitas garrafas de plástico e de vidro são reutilizadas por quem vai buscar água aos poços espalhados pelas ilhas ou por quem faz vinho ou óleo de palma, outras acabam compactuadas e transformaras em blocos para construção.

Abdulay Seca, coordenador do departamento de ecoturismo do Instituto da Biodiversidade e da Áreas protegidas (IBAP) confirma estes dados e lembra que, “apesar de no início a reciclagem das latas de Coca-Cola e afins, que eram transformadas em panelas de alumínio em Bissau, ter sido vista como uma boa solução”, já perceberam que é nocivo para a saúde devido à libertação do alumínio durante a cozedura dos alimentos.
Expresso© DR Expresso
Nesta troca de aprendizagens e de projetos novas ideias surgem. Janó Face Te, da associação de Jovens pela Produção do Ambiente, com sede em Bissau fica entusiasmado com a possibilidade de replicação do projeto da ONG portuguesa Educafrica, que promete levar luz elétrica a muitas aldeias que não a têm. Dirigido por Inês Rodrigues, uma professora em constante nomadismo profissional, o projeto iniciado em 2011 permite transformar uma simples garrafa de plástico numa lâmpada solar. Tudo começou há oito anos quando dava aulas de inglês a alunos dos PALOP em Portugal, numa escola técnica em que os alunos de eletricidade queriam fazer coisas práticas e úteis. 

Foi assim que chegaram ao protótipo que está a ser testado em oito aldeias da Guiné Bissau. “O conceito é muito simples” explica Inês, “com um pequeno painel solar, um acumulador, uma lâmpada Led e uma garrafa de água colocada num telhado de zinco, cria-se uma clarabóia que acaba por funcionar como uma lâmpada de 45 watts durante o dia, pela refração da luz, ao mesmo tempo que acumula energia e ilumina durante a noite”.

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