“O Papa Francisco tem sido apelidado recorrentemente de revolucionário”, diz o líder comunista madeirense, que já foi padre. “Ele é um interlocutor muito criativo entre a Igreja e a Esquerda”.
Dentro do catolicismo, apesar do esforço contínuo em ordem à “superação mútua de preconceitos” entre a Igreja e a Esquerda, ainda há hoje muitos sectores “que não entendem” uma visão de Igreja mais ligada “ao concreto e ao compromisso social”.
À margem de um seminário na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, em que falou sobre Os católicos, a Igreja e o direito à revolução, Edgar Silva,líder do PCP-Madeira e antigo padre católico, diz que “é preciso pagar um preço, mesmo quando se trata do Papa” e ninguém “sai impune ao ser fiel aos condenados da Terra”.
“O Papa Francisco tem sido apelidado recorrentemente de revolucionário”, observa o ex-candidato à Presidência da República ao 7MARGENS, no final da sua conferência de dia 8 de abril, respondendo à pergunta sobre se o Papa Francisco é de esquerda. “Ele é sem dúvida um renovador dessa pureza da doutrina do Concílio Vaticano II e um interlocutor muito criativo entre a Igreja e a Esquerda”, acrescenta.
“Muitas vezes, a “incompreensão não é só na Igreja, mas também na sociedade”, acrescenta Edgar Silva, defendendo que ser católico e de esquerda, nomeadamente comunista, é “perfeitamente possível”. E o Partido Comunista tem, perante a Igreja, “a tese da mão estendida”, dado que olha para esta como “interlocutora de problemas concretos da sociedade”.
Recordando que há católicos que integram grupos eclesiais e são também militantes do Partido Comunista, o líder comunista madeirense diz que essa relação com o catolicismo é uma prática presente no PCP desde os anos 1950.
No livro Portugal Amordaçado, acrescenta ainda, o antigo Presidente Mário Soares lembra um documentário da televisão francesa sobre a oposição religiosa ao regime. Entre outros episódios, pode citar-se a chamada Revolta da Sé, de 11 de Março de 1959 (e que deve o nome ao facto de se ter iniciado junto da catedral de Lisboa), liderada por Manuel Serra, que tinha sido líder da Juventude Operária Católica (JOC), mas que acabou por ser dominada e os seus responsáveis detidos pela PIDE, a polícia política.
Muitos católicos nas revoltas contra o regime
Os anos 1960 assistiriam, aliás, ao multiplicar de redes e grupos católicos de oposição ao regime. “Portugal viu o nome de muitos católicos como bastiões de revolta contra o regime” do Estado Novo. Além da revolta da Sé, muitos outros episódios tiveram a participação de crentes na oposição ao regime. Até em família, como foi o caso do casal Natália e Nuno Teotónio Pereira, que ajudaram a impulsionar a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e a rede dos Terceiros Sábados, além dos cadernos Direito à Informação. Como arquiteto, Teotónio Pereira foi ainda um dos fundadores do Movimento da Renovação de Arte Religiosa, essencial na relação do catolicismo com vários grupos culturais durante os anos 1950-60.
Como resume Edgar Silva, a Igreja teve muitos dos seus membros envolvidos em muitas lutas, sobretudo durante a fase final do regime salazarista. “Um dia, a PIDE-DGS apreendeu 400 livros da livraria Europa-América e, segundo os relatórios” policiais, “40 por cento eram de Teologia”, conta. Também foi assim na América Latina, sobretudo com a teologia da libertação, com muitos teólogos “envolvidos na luta revolucionária”.
Se, enquanto líder comunista, um católico lhe dissesse que queria integrar o PCP, que requisitos lhe pediria Edgar Silva? “Primeiro tinha de entender as razões dessa vontade e perceber se poderia comprometer-se com a transformação da vida e que o mundo tal como o conhecemos precisa de viragens profundas vencendo as desigualdades e as injustiças.” Para o líder comunista madeirense, não é assim tão difícil ser de esquerda. Afinal, para ele como para Camilo Torres, padre comunista e guerrilheiro, a revolução é apenas a execução “do amor eficaz”.
setemargens.com
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