Jorge Mangorrinha, especialista em turismo, exprime de forma particularmente clara, o ciclo maldito que tem estado na base do desenvolvimento do Algarve nas últimas décadas: «urge pensar os novos territórios, salvaguardando-os do turismo autofágico, que acaba por subtrair, desses territórios, os recursos que estimularam a sua ocupação. Depois de tornar insuportável o atrativo, os seus responsáveis saem à procura de outros lugares para iniciarem o mesmo processo, e corremos o risco de o país ir perdendo capacidade competitiva no turismo».
O projeto de construção de um novo empreendimento, a Quinta do Oceano, na fronteira com uma das últimas zonas virgens do nosso litoral algarvio, virado a sul, a zona do Trafal e a foz do Almargem, é esclarecedor de que pouco ou nada mudou na dinâmica desenvolvimentista autofágica que teima em subsistir, e que muito previsivelmente vai continuar, até não haver mais nada para desbravar.
A associação Almargem divulgou há uns dias um comunicado no qual revela as peripécias ocorridas em torno de todo o processo que conduziu à aprovação de tal empreendimento. E que é paradigmático daquilo que se tem passado nas últimas décadas no Algarve, com centenas de situações idênticas e cujo resultado final tem sido, invariavelmente, o mesmo. Isto é, a penalização dos valores paisagísticos e patrimoniais, com o inerente empobrecimento e desordenamento do território e a perda da qualidade ambiental com prejuízo direto para as populações (e para os turistas).
A associação Almargem divulgou há uns dias um comunicado no qual revela as peripécias ocorridas em torno de todo o processo que conduziu à aprovação de tal empreendimento. E que é paradigmático daquilo que se tem passado nas últimas décadas no Algarve, com centenas de situações idênticas e cujo resultado final tem sido, invariavelmente, o mesmo. Isto é, a penalização dos valores paisagísticos e patrimoniais, com o inerente empobrecimento e desordenamento do território e a perda da qualidade ambiental com prejuízo direto para as populações (e para os turistas).
No meio do labirinto jurídico-legal tecido pelos PDMs, Planos de Pormenor, pedidos de licenciamentos para loteamento, classificações de «espaço urbano», processos de urbanização, POOCs, avaliações de impacte ambiental, classificações de «áreas protegidas» falhadas, cedência de terrenos para permuta, o resultado final acaba sempre no mesmo epílogo – o triunfo dos interesses económicos puros e duros.
Perante tal cenário tem que ser dito, sem qualquer ambiguidade, que as autoridades que têm governado o Algarve nas últimas décadas sempre revelaram um total divórcio e ignorância relativamente aos valores ambientais, patrimoniais e culturais. Nada melhor que verificar a qualidade da obra feita e que se traduz no estado irreconhecível a que a nossa terra chegou: o nosso precioso litoral vandalizado por uma ignóbil muralha de betão e, mais recentemente, pelos enchimentos com areão de algumas das suas praias mais idílicas; a típica paisagem do barrocal que perdeu, quase na totalidade, os seus muros brancos, as suas casas caiadas, as chaminés, as platibandas e as açoteias, tendo sido invadida por milhares de casas de arquitectura horrenda, estando, para além disso, também a perder as suas árvores tradicionais sob o ímpeto das monoculturas de uma agricultura intensiva e destrutiva; as cidades, vilas e aldeias descaracterizadas de uma ponta à outra com poucos edifícios ainda íntegros, resquícios de uma arquitectura excepcional que em tempos detiveram.
O paraíso de outrora está feito em fanicos e basta, por exemplo, percorrer a principal via do Algarve, A Estrada Nacional 125, para comprovarmos de forma indesmentível que estamos numa região subdesenvolvida, do mais retinto carácter terceiro-mundista. O caos, a fealdade e o desordenamento entranharam-se em cada interstício desta terra prostituída.
Na sua obtusidade em prol do «progresso», as autoridades e executivos que têm gerido o Algarve demonstraram uma cegueira confrangedora, não reparando sequer, que habitavam num lugar raro, com uma das maiores concentrações de valores ambientais e estéticos em todo o mundo. Esta circunstância inconcebível explica-se, sobretudo, pela inata e total falta de respeito e de amor pela terra que sempre revelaram.
A Câmara Municipal de Loulé, em mais este caso deplorável de ofensiva contra o que de pouco ainda resta de incólume na sua zona de administração, insiste na mesma receita, ignorando o doloroso histórico de barbárie que tem desabado sobre esta terra. Foram demasiadas décadas para ainda não se ter aprendido com os erros cometidos.
Fernando Silva Grade é artista plástico e ativista.
barlavento.pt
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