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sexta-feira, 19 de maio de 2017

19 de Maio de 1954: Catarina Eufémia é morta a tiro em Baleizão, numa manifestação de trabalhadores agrícolas por aumento do salário.


Ceifeira alentejana, Catarina Eufémia,  filha de José Diogo  e de Maria Eufémia, nasceu em 1928, na aldeia de Baleizão, concelho e distrito de Beja. Era uma assalariada rural pobre e analfabeta, como tantas outras mulheres do seu Alentejo natal. 


Casou ainda nova, em 1946, tendo depois três filhos. 


A sua vida teria sido anónima e esquecida como a de tantos outros alentejanos da sua condição se não tivesse acabado em circunstâncias tenebrosas, guindando-a a símbolo da resistência e contestação ao regime salazarista.


O Alentejo, naqueles tempos difíceis, era uma região de latifúndios e de emprego sazonal, onde as condições de vida dos camponeses sem terras e assalariados eram extremamente difíceis. Esta situação sócio-económica e laboral penosa e dura agitou as massas camponesas da região a partir de meados dos anos 40, vindo-se a agudizar nas duas décadas seguintes, gerando-se um permanente clima de agitação social no campesinato. 


Eram inúmeros tumultos e mais frequentes ainda as greves rurais, que acabavam sempre com a intervenção da GNR e eram devidamente vigiadas pela PIDE, em busca então de infiltrados e agitadores comunistas.


Numa dessas greves de trabalhadores agrícolas, ocorrida a 19 de maio de 1954 na aldeia de Baleizão, um grupo de camponeses dirigiu-se à residência do patrão. Entre esses trabalhadores rurais, contava-se Catarina Eufémia, grávida e com um filho de oito meses ao colo. 


Entre outras pretensões, reivindicava-se para as mulheres um aumento da jorna (salário de um dia de trabalho) de 16 para 23 escudos (o que representa na moeda atual - o Euro - um aumento de 8 para 11 ou 12 cêntimos), na campanha da ceifa. 


No entanto, a GNR apareceu, como tantas outras vezes, acabando por intervir duramente. Para além dos tiros para o ar, de intimidação e para dispersar a concentração de camponeses, outros houve que tiveram um destino mais cruel e sangrento. 


De facto, o tenente Carrajola, da GNR, no caminho do grupo de assalariados para a casa do patrão, matara Catarina Eufémia com vários tiros, que caíra para o chão com o filho ao colo. 


Este assassinato a sangue-frio foi uma das mais brutais ações do regime de Salazar, causando uma revolta surda e contida entre as massas rurais alentejanas. 


Catarina tornou-se, depois da sua morte trágica, como um símbolo, principalmente entre o Partido Comunista Português, como um modelo de mulher, mãe e militante. 


Muitas vezes se lhe jurou vingança, tal foi a raiva de dor que pulsou durante décadas no Alentejo por aquela morte estúpida e cruel, aparecendo também flores na campa de Catarina, no cemitério de Quintos, depositadas por desconhecidos. 


Os cantores de intervenção e os poetas opositores ao regime não deixaram também de cantar a pobre camponesa assassinada: 


José Afonso, Sophia de Mello Breyner ou José Carlos Ary dos Santos, entre outros. 


No imaginário popular e oposicionista, o assassinato de Catarina Eufémia era a demonstração clara da crueldade e brutalidade dos métodos e formas de resposta por parte do regime às desigualdades e injustiças que apoiava e mantinha.

Catarina Eufémia. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. 

CATARINA EUFÉMIA

Sophia de Mello Breyner Anderson 


O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E
 a busca da justiça continua


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