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domingo, 28 de maio de 2017

Tuaregues: Guia dos “homens livres”

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Eles querem ser chamados Tamasheq, o nome da sua língua, porque recusam ser os “Abandonados por Deus”. No Norte do Mali, tentaram proclamar uma pátria. Quem são estes guerreiros de véu e turbante azul? (Ler mais | Read more…)

Awazad

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Situada nos vastos desertos do Sara e do Sahel, Azawad ou Azaouad é uma região na qual os Tuaregues incluem o Norte do Mali (mas também o Norte do Níger e o Sul da Argélia). Na quinta-feira, 5 de Abril [de 2012], o Movimento Nacional para a Libertação do Azawad (MNLA) declarou um cessar-fogo após a rápida conquista ao Exército maliano das cidades de Timbuctu, Kidal e Gao – “território suficiente para proclamar um Estado independente”.
Uma área que é supostamente um centro de tráfico de cocaína, Azawad tem sido também cenário de várias rebeliões: em 1962-1964; em 1990-1995 e em 2007-2009. A revolta deste ano derrotou facilmente um exército, com poucas munições e muitos generais corruptos, incapaz de enfrentar milhares de antigos soldados e mercenários tuaregues que regressaram ao Mali bem treinados, financiados e armados, depois de terem servido Muammar Khadafi na Líbia, até à queda e morte do coronel em 2011.
O êxito da luta separatista do “laico e democrático” MNLA dependerá da sua vontade e capacidade de derrotar os radicais salafistas do Ansar Dine e da al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI), que querem islamizar todo o país.

Berbere

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O termo “berbere” advirá do latim barbarus (bárbaro), mas os berberes tuaregues – cerca de um milhão – preferem chamar-se Imazighen (homens livres). Originalmente brancos do Mediterrâneo, foram-se misturando com as populações do Sara e do Sahel e, hoje, podem ser louros ou ruivos (nas montanhas Atlas de Marrocos) ou de pele negra (na região subsariana).
Não é possível determinar como os Tuaregues chegaram ao Norte de África, mas confirma-se que são um grupo berbere com a sua própria língua (Tamashek) e alfabeto (Tifinagh). Quem primeiro registou a existência destes nómadas terá sido Heródoto, no século V a.C., na Líbia.
Guerreiros de espada (takoba), lança (allagh) e escudo (aghar), os Tuaregues controlaram durante séculos as grandes rotas comerciais que atravessavam o Sara. Só em 1917 é que a Legião Estrangeira (Francesa) – depois de anos de combates e massacres – conseguiu “pacificar” os Tuaregues. Findo o período colonial, nos anos 1960, o território dos nómadas foi artificialmente dividido em países independentes: Argélia, Burkina Faso, Líbia, Mali e Níger.

Charles de Foucauld

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Descendente de cruzados e oriundo de uma família aristocrata e próspera, Charles Eugène de Foucauld nasceu em Estrasburgo em 1858. Aos 26 anos, depois de “uma vida de luxúria e aventuras amorosas” como geógrafo e oficial de cavalaria do Exército francês, deixou de ser agnóstico e tornou-se padre eremita.
Em 1905, foi viver entre os Tuaregues, na região argelina de Ahaggar ou Hoggar. Recentemente beatificado pelo Vaticano [em 2005] , foi durante muito tempo olhado como “espião disfarçado de monge”, mas todos lhe reconhecem, agora, a divulgação, local e internacional, da língua e cultura tuaregues.
A 1 de Dezembro de 1916, salteadores atacaram o seu refúgio e um deles matou-o a tiro. O “irmão universal” morreu aos 58 anos, mas tem agora 15 mil discípulos, entre eles a Fraternidade das Irmãzinhas de Jesus, que chegou em 1939 a Portugal, onde as suas religiosas, que não são missionárias, vivem e trabalham com os mais pobres, em bairros degradados, fábricas ou prisões.

Dassine

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Sultana do Deserto, Rainha do Amor ou Mensageira da Paz, é assim que os tuaregues reverenciam a sua grande poeta Dassine Oult Yemma. Dois versos que eles repetem: “A água murmura ‘Eu amo-te’ quando toca os nossos lábios com o mais suave dos beijos”; “Que interessa esses véus sob os quais te escondes – eu afasto-os tal como o sol desvia as nuvens”.
A poesia ocupa um espaço fundamental na cultura tuaregue, e um tema recorrente é os dos corações destroçados. Na língua Tamasheq, a palavra “calor” (tuksé) deriva de “sofrimento”.
Veja-se este poema, composto em 1890: En ce jour que j’ai quitté Tella/ elle tenait une réunion galante pour les personnes présentes ; je suis parti/ l’âme brûlée de douleur, le cœur embrasé/ semblable à un tison enflammé/ sur lequel souffle le vent et qui brûle de tous côtés. / Je prie Dieu de me faire voire celle que j’aime/ pour que je ne meure pas ici de la douleur de son absence.

Feudal

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Os Tuaregues mantêm um sistema hierárquico feudal de clãs (tawshet), que consiste num pequeno número de famílias nobres e tribos de marabus (“homens santos, com poderes de abençoar, proteger e curar, mesmo depois da morte”); uma maioria de vassalos e três “classes inferiores” de antigos escravos.
Os Iklan apascentam o gado, cozinham (a alimentação básica dos Tuaregues é queijo e manteiga de cabra com tâmaras – a carne é limitada a ocasiões festivas) e fazem outras tarefas domésticas; os Inaden são sobretudo artesãos e ferreiros; os Harratin, de pele negra, trabalham nos campos onde se cultiva milho, centeio e trigo.

Islão

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Muçulmanos mas não árabes, os Tuaregues preservam rituais animistas, rezando a divindades do deserto, como pedras, água, fogo e montanhas.
Na prática islâmica de lavar as mãos, a água, cada vez mais escassa, é substituída pela areia. No Norte do Mali, onde os Tuaregues tentam proclamar um Estado independente, predomina a escola teológica maliquita do Sufismo, corrente mística e, tradicionalmente, mais tolerante da religião “revelada” a Maomé.

Kel Tamasheq

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Ainda que divididos em várias tribos e clãs, os Tuaregues fazem questão de afirmar a sua identidade única chamando-se a si próprios Kel Tamasheq, ou “Os que falam Tamasheq”. Há uma campanha em curso para que sejam designados como Tamasheq e não Tuaregues – termo cuja origem tem suscitado várias interpretações: uns alegam que provém do árabe Tawariq, com o significado de “Abandonados por Deus”; outros ligam-no a Targa, em Fezzan, actual Líbia.
Os Tuaregues/Tamasheq têm o seu próprio alfabeto, Tifinagh, composto por símbolos geométricos, um total de 24, na forma de linhas, pontos, círculos e formas. Este alfabeto escreve-se da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, de cima para baixo ou de baixo para cima – por isso é de difícil leitura.
A origem do Tifinagh é indefinida. Alguns sugerem que não há nada de implicitamente Amazigh (língua berbere), mas os Tuaregues insistem em que é indígena. Para eles, Tifinagh é um termo composto por “Tifi”, que significa “descoberta”, e pelo adjectivo possessivo “nnagh”, com o significado de “nosso”.
Assim sendo, Tifinagh quererá dizer “a nossa descoberta”. Outras teorias referem que o alfabeto provém do Egipto ou do Sul da Arábia; do Grego ou do Latim; dos Cartagineses ou dos Fenícios.

Mulheres

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As mulheres tuaregues gozam de grande respeito e liberdade, participam nas decisões da família e da tribo, e podem manter relações com homens antes do casamento, rompendo a tradição ortodoxa islâmica. Um dos provérbios deste povo diz: “As mulheres e os homens são, uns e outros, para os olhos e para o coração; não apenas para a cama”.
Sendo uma sociedade matrilínia (a liderança, descendência e a herança são definidas pela linha da mãe), mas não matriarcal (o poder é detido pelos homens).
São as mães que ensinam às filhas o alfabeto Tifinagh e arte de tocar o violino imzad – arte exclusiva das mulheres. Diz-se que, nos combates, os homens faziam tudo para demonstrar coragem, com medo que as noivas os privassem dos sons do imzad. O desejo de ouvir este instrumento incutia-lhes valentia e incitava-os a derrotar os inimigos.

Nómadas

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Se inicialmente eram nómadas errantes do deserto, muitos tuaregues foram obrigados, para sobreviver, a render-se ao sedentarismo. Em todo o caso, muitos ainda vagueiam errantes em tendas móveis, um apertado círculo de 5 ou 6. Uma tenda é composta de 30 a 40 peles curtidas, tingidas de vermelho e cosidas umas às outras. As peles são suportadas por uma estrutura de estacas de madeira, fixadas ao solo. Cada tribo é governada por um chefe e uma assembleia de homens adultos. As tribos agrupam-se em três confederações, cada uma com um xeque e um conselho de responsáveis de clãs. As confederações, por seu turno, têm um líder máximo (amenokal) e um conselho de nobres. Entre as tribos mais importantes estão as de Kel Rhela, Dag Rhali, Issaqqamaren e Ait Laoin.

Oy ik

Membros de delegações do Mali e dos Tuaregues cumprimentam-se após a assinatura de um acordo de cessar-fogo, em Ouagadougou, capital do Burkina Faso, em 18 de Junho 18 de 2013. @DR (Direitos Reservados | All Rights Reserved)
Membros de delegações do Mali e dos Tuaregues cumprimentam-se após a assinatura de um acordo de cessar-fogo, em Ouagadougou, capital do Burkina Faso, em 18 de Junho de 2013.
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Os Tuaregues têm uma forma muito particular de cumprimentar os outros. No dialecto regional Air, por exemplo, começam por perguntar Oy ik? (Como está?) seguindo com Mani egiwan? (Como está a sua família?) e depois por Mani echeghel? (Como vai o seu trabalho?). A resposta mais educada a todas estas interpelações será Alkher ghas (Está tudo de boa saúde).

Sedução

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Os tuaregues têm um ritual a que chamam “código de sedução”. No silêncio do deserto, de manhã até ao meio-dia, antes do pôr-do-sol, ou à noite, sob um céu estrelado, juntam-se para tocar o violino imzad e cantar poemas.
Depois de recolherem o leite dos rebanhos e antes de irem para a cama, os homens pedem às organizadoras destas reuniões sociais ou encontros românticos (djalsa) se os voltam a convidar. Para saberem, discretamente, a resposta das mulheres que querem conquistar, usam linguagem gestual. Desenhar um círculo na palma da mão de uma jovem e depois apontar para lá com o dedo indicador é uma declaração de amor.
Se a jovem pega na mão direita do pretendente e com o seu indicador traça uma linha diagonal para a frente e depois para trás, isto significa: “Deixa o resto das pessoas e vem para junto de mim.”. Se ela traça a linha diagonal numa só direcção, a mensagem é: “Vai-te embora, e não voltes.” Se um homem notar que a rapariga é disputada por um rival, tem de recuar.
Se dois pretendentes gostam da mesma mulher, o mais novo deve ceder o lugar ao mais velho – excepto se a rapariga fizer a escolha contrária.

Tin Hinan

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Venerada pelos tuaregues como a sua primeira Tamenokalt (rainha), Tin Hinan ainda hoje é designada, por eles, como “Mãe de todos nós”. Dizem lendas que, viajando com a sua dama de companhia, Takamat, deixou Tafilalet, nas montanhas Atlas de Marrocos, para se instalar no território desértico de Hoggar ou Ahaggar, no Sul da Argélia.
Aqui, não hesitando em recorrer às armas, Tin Hinan uniu vários clãs dispersos e fez deles uma “nação”. O seu túmulo terá sido encontrado, em 1920, por arqueólogos, em Abalessa, na Argélia.

Véu

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Entre os Tuaregues são os homens, e não as mulheres, que ocultam o rosto. Há três tipos de véu-turbante, com um comprimento que oscila entre os 3 e os 5 metros, deixa à vista apenas os olhos, cobrindo a cabeça, a testa, quase todo o nariz e a boca – “uma zona de poluição e de desrespeito se exposta perante outros”.
Assim, temos o tagelmoust ou alechcho (azul índigo), hoje quase exclusivo das classes mais altas; o khent, que pode ser usado em todas as ocasiões e no dia-a-dia; e o agora mais comum echchach (branco, negro ou azul escuro, de custo e qualidade inferior).
Não há dados concretos sobre quando é que os tuaregues começaram a usar o tagelmoust, porque até 1920, segundo várias fontes, era mais visível o tekerheit, véu-turbante de lã branca e riscas de cor, originário da Líbia.
Só os homens de classe elevada podem deixar escorregar o véu-turbante, e apenas os que fizeram a peregrinação a Meca o podem remover completamente. De um modo geral, os homens jamais o abandonam desde que o começam a usar aos 18 anos, início da idade adulta, nem mesmo quando dormem.
A tinta que caracteriza a maioria dos tagelmoust não é diluída em água, um bem cada vez mais escasso, mas aplicada com pedras em tecido de algodão. A pressão emite partículas ligeiramente metálicas que depois se transferem do véu para o rosto – daí os tuaregues terem ganhado o cognome de “Homens Azuis”.
Símbolo de masculinidade, protecção contra as tempestades de areia e os “maus espíritos” – mas também, dizem, forma de impedir o inimigo de ler o pensamento –, o véu-turbante nunca é lavado e é usado até que se rasgue.
As mulheres, por seu turno, depois de se casarem, apenas tapam o cabelo com um lenço (ekahei). Envergam saias rodadas e blusas bordadas de várias cores, colares e brincos de ouro e prata, e ostensiva maquilhagem que realça sensualidade dos olhos e da boca.
[Fontes‘The Tuareg of the Sahar’a’ (Bradshaw Foundation); ‘Sahara Man: Travelling With the Tuareg’, de Jeremy Keenan; ‘Le Voile chez les Touare’g  (‘Revue de l’Occident musulman et de la Méditerranée’); ‘La Solitude du Poète Touareg’ (Dominique Casajuz, in: ‘Sentiments doux-amers dans les musiques du monde’); Association Sauver l’Imzad; Toumast Press]
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Este artigo, agora revisto, foi publicado originalmente no jornal PÚBLICO em 7 de Abril de 2012 | This article, now revised, was originally published in the Portuguese newspaper PÚBLICO, on April 7, 2012

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