Nova gestora do regulador da aviação foi nomeada sem avaliação prévia
Vogal da administração do regulador da aviação, que estava até agora no Ministério da Economia, foi designada sem parecer prévio e abrindo porta à recondução, o que contraria a lei. Presidente da comissão questiona processo.
O Governo está obrigado, desde 2012, a pedir parecer prévio a uma comissão de recrutamento antes de nomear dirigentes públicos para empresas e outros organismos do Estado. No entanto, um caso inédito aconteceu em Agosto com a escolha da nova vogal do conselho de administração do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC). Lígia Fonseca, até aqui técnica especialista no Ministério da Economia, foi designada em regime de substituição sem parecer prévio. Para além disso, o despacho não impede a sua recondução, o que também contraria a nova lei dos supervisores.
O despacho, assinado pelo secretário de Estado das Infra-estruturas, Transportes e Comunicações, Sérgio Monteiro, data de 14 de Agosto e foi publicado em Diário da República quatro dias depois. Havia, como se lê no documento, urgência em resolver este caso, visto que desde o início do ano a administração do INAC vive alguma instabilidade porque o anterior vice-presidente apresentou a demissão, seguida de uma baixa médica prolongada.
É no mesmo despacho de nomeação de Lígia Fonseca que o Governo informa que deu deferimento à renúncia de Paulo Figueiredo Soares, que foi pedida porque se encontrava numa situação de incompatibilidade em relação à nova lei-quadro dos reguladores. O administrador mantinha, em simultâneo, um vínculo à TAP, o que a legislação, publicada em Agosto de 2013, estabelecia que se corrigisse no prazo de seis meses para que os órgãos de gestão dos supervisores não tivessem qualquer relação com as empresas que fiscalizam.
O Ministério da Economia teve o pedido de demissão em cima da secretária desde Março, mas só em meados de Agosto nomeou um substituto. O problema é que não passou pelo crivo da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap), criada em Maio de 2012 para dar mais transparência às nomeações no Estado. A lei obriga a que todos os membros do Governo peçam um parecer prévio a este comité quando estão em causa empresas públicas, entidades reguladoras ou institutos de regime especial (o caso actual do INAC, enquanto os novos estatutos não forem aprovados para o transformar juridicamente em autoridade reguladora). Embora não sejam vinculativos, os pareceres da comissão têm sido seguidos pelo executivo, que descartou sempre nomes que tenham sido chumbados.
Questionado pelo PÚBLICO, o presidente da Cresap pôs em causa o processo de nomeação da nova administradora do regulador da aviação, que tem uma importância vital para o sector, que se estende, por exemplo, à fiscalização do contrato assinado com o grupo francês que comprou a ANA. “Interrogo-me sobre a robustez da sustentação jurídica [da nomeação] entre outras interrogações”, afirmou. “Os conselhos de administração ou directivos de todas as entidades reguladoras estão sujeitos a parecer não vinculativo prévio à respectiva audição na Assembleia da República e, naturalmente, que antecede a sua designação para o cargo”, precisou ainda.
João Bilhim referiu que a Cresap “é um sonho do senhor primeiro-ministro”, acrescentando que “numa cultura da Europa do Sul, ou seja, do azeite, não é fácil aceitar a lei do mérito e a intervenção de uma entidade administrativa independente”. Ainda assim, diz que a comissão não pode actuar “em nada” neste caso.
Já o Ministério da Economia justificou o procedimento com o facto de Lígia Fonseca ter sido nomeada em regime de substituição, o que, à luz do Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública, significa que “a consulta à Cresap não está contemplada”. Este contraste de opiniões explica-se pelo facto de a Cresap encarar o INAC como uma entidade abrangida pelas regras dos administradores de empresas públicas, como prevê o Estatuto do Gestor Público, o que significa que a sua nomeação depende de parecer. Enquanto o Governo defende que o regulador deve ser equiparado a um organismo do Estado, cujos dirigentes são nomeados por concurso, baseando-se na Lei-quadro dos Institutos Públicos (de 2004) e na última revisão da lei orgânica do INAC, que data de 2007.
Esta divergência poderia nem existir se o Governo já tivesse aprovado os novos estatutos do INAC, que levam um atraso de quase dez meses face ao que estava previsto na lei-quadro e foi acordado com a troika. E a posição do ministério acaba por esbarrar nos exemplos que constam no site da Cresap: outros institutos públicos de regime especial, como o Instituto Nacional de Medicina Legal, passaram pelo crivo da comissão. Em Fevereiro deste ano, a ministra da Justiça solicitou ao comité de recrutamento que desse parecer sobre o vice-presidente e dois vogais da entidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário