Um Conto Português... para Crianças... e Adultos...
"A MOIRA QUE MORA NA LAPA, EM PENHA GARCIA
Flávio Pinho
A Moira que mora na Lapa fez-se ver pela primeira vez há muitas luas e muitos sóis, quando estes campos ainda não se douravam de feno pelo Verão, e os homens temiam os lobos e os raios que rachavam ao meio os pequenos arbustos secos.
... Caçavam para viver, como os animais, e como os animais sentiam alegria quando nasciam filhotes, e tristeza quando morriam os mais velhos. Como os animais, não pensavam no que fariam no dia seguinte, e não tinham cidades, nem exércitos.
Não eram tão fortes como o mamute ou o javali, mas cedo perceberam que eram mais matreiros... Mais maus, às vezes, e outras vezes capazes de darem tudo pelos seus. Já se pareciam muito connosco!
A pouco e pouco, começaram a inquietar-se, e a fazer muitas perguntas sobre tudo, uns aos outros –e até a si mesmos, nos momentos de repouso:
–Quem fará nascer o dia, e vir a noite? E cair a chuva, e soar os trovões? E, se não somos nós, quem faz correr os rios e soprar o vento, agora para um lado, depois para outro?
Perguntas sem resposta, porque todos sabiam o mesmo sobre a vida e o mundo! Quer dizer, ninguém sabia nada...
Até que uma noite, quando se aqueciam na gruta a que hoje chamamos Lapa, lhes pareceu que do fogo se levantava um fumo com a forma de uma mulher. Os pés lembravam raízes fixas no chão, e os cabelos as nuvens de estrelas que viam no céu. Os olhos eram fundos, mas doces como os das mães. Os braços e pernas fortes tinham a cor ocre da terra revolvida. Por aqueles lugares, muito mais tarde, dar-lhe-iam o nome de Moira.
Tudo agora parecia estar no seu lugar, ter sentido: a Moira tinha criado o Mundo que eles conheciam, a Moira “era” o Mundo.
E a Moira falou pela primeira vez..., cantando:
–Chama-se Música a língua em que vou, a partir de agora, falar convosco, e vós comigo. Nessa língua, com palavras ou sem palavras, e usando a boca ou bocados de madeira, ossos, fios, peles, poderemos sempre entender-nos, se os vossos ouvidos, cabeça e coração estiverem atentos.
Pegou num osso furado que estava na fogueira e soprou por ele. Nunca tinham ouvido um som tão bonito, e no entanto ele lembrava-lhes o assobio suave do vento, ou o rumor tranquilo de um regato. Era a primeira flauta.
Assim como apareceu, assim se foi a Moira. Os homens esqueceram-se dela, mas, quando cantam ou tocam algum instrumento, ela volta a erguer-se de uma fogueira que se acende na Lapa, em Penha Garcia, na Beira Baixa..."
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