Crianças do mundo
Com apenas 12 anos, uma criança paquistanesa foi assassinada por denunciar os castigos corporais a que ela e outras crianças estavam sujeitas, numa fábrica de tapetes. Há milhares de crianças em todo o mundo sujeitas a maus tratos, obrigadas a trabalhar para produzir objectos que nos deliciam nas montras e atiçam o deleite consumista de senhoras como Christne Lagarde que, depois vêm lamentar o sofrimento dessas crianças.
Deixo-vos aqui histórias de algumas crianças que fui conhecendo ao longo da vida um pouco por todo o mundo, cujos rostos captei e não mais esqueci.
Valeska, miúda de 13 anos que conheci em Santiago do Chile.Vendia artigos de contrafacção numa tenda perto do palácio de La Moneda. Estudou até aos 12, mas entretanto a mãe adoeceu e ela teve que deixar a escola para ajudar ao sustento de 7 irmãos. Tem saudades do tempo da escola e espera poder voltar a estudar um dia. Não tem dinheiro para pensar nos ténis da Nike, nas sapatilhas da Adidas ou da Reebok, cujas imitações vende na sua tenda.
Pablo é uma criança argentina de 12 anos que trabalha num supermercado. A sua tarefa, de segunda a domingo, é meter dentro dos sacos as compras dos clientes. Vejo os seus olhos brilhar quando pega numa pizza congelada que comprei. Ofereço-lha juntamente com um chocolate, mas imediatamente os mete no meu saco com um ar assustado. Explica a sua recusa pelo facto de um dia um vigilante lhe ter chamado ladrão, porque estava a comer um pacote de batatas fritas que uma cliente lhe oferecera.
Tarika é uma miúda de 10 anos. Conheci-a em Wewak, na Papua Nova Guiné, no momento em que as suas mãozitas trémulas entornaram sobre os meus "jeans"parte da sopa. Foge para a cozinha, debulhada em lágrimas, perseguida por um empregado bem adulto que lhe dirigia ameaças. Nunca mais a voltei a ver no hotel, nem sei se é verdade a história que Ben, uma personagem bem conhecida dos turistas que demandam aquela zona em busca de um guia para o rio Sepik me contou.
Segundo a sua história, o patrão condoera-se ao saber que a miúda, filha de uma empregada do hotel, trabalhava em Madang na apanha do café, em condições de quase escravatura. Mandara-a vir para estar junto da mãe, mas não para trabalhar no hotel. Tudo não passara de um descuido. Verdade ou não, o facto é que no dia em que abandonei Wewak para uma viagem pelo rio Sepik, Tarika estava à beira da estrada, com uma mulher aparentando os seus 30 anos, vendendo pequenas peças de artesanato local.
Em Patpong, Banguecoque, é usual ver a altas horas da noite miúdas de 10,12 e 13 anos oferecendo-se para a prostituição. Não é difícil, também, ser abordado por adultos oferecendo os favores sexuais de menores. Em Hua Hin, a escassa centena e meia de quilómetros da capital tailandesa, uma miúda vende relógios aos turistas. Os preços são regateados à exaustão e assisto à cena de um turista anglo saxónico propondo-se a pagar os 500 "bahts" (aproximadamente 15 €) por um Rolex de imitação se a criança "for passar uns momentos na sua companhia".
Nos centros turísticos tailandeses, como nas Filipinas, cenas destas repetem-se diariamente, diversas vezes ao dia.
Em Portugal também não faltam crianças vítimas da exploração do trabalho infantil:
Hélder tem apenas 6 anos e começa às 7 e meia da manhã a britar pedra. Diariamente parte cerca de 500 pedras que vão revestir as calçadas de cidades estrangeiras para onde o seu patrão exporta a pedra.
Adelino foi bem cedo trabalhar para uma serração, mas aos 13 anos um acidente com uma máquina levou-lhe 3 dedos da mão direita e agora faz alguns pequenos trabalhos para ajudar em casa.
Anabela divide o seu dia entre a escola e a casa, onde não estuda nem brinca com meninas da sua idade. O tempo que lhe resta depois da escola, passa-o a coser sapatos. E como ganha à peça, quanto mais trabalha, mais ganha, o que a leva a trabalhar até altas horas da noite.
Porque razão, apesar das medidas internacionais tomadas contra o trabalho infantil, este parece um problema incontornável?A resposta poderia ser encontrada na conversa com este guia indiano...
A cena passou-se nos arredores de Bombaim, ( mas poderia passar-se também em Istambul, Katmandu ou Carachi, onde são inúmeras as crianças a trabalhar na indústria dos tapetes) quando visitava uma fábrica. Crianças desenrolam à minha frente, com esgares de esforço, vistosos tapetes por elas parcialmente confeccionados. Reajo com a indignação possível e o guia pergunta-me em escorreito inglês:
"Nunca viu disto no seu país? E por acaso não compra produtos de grandes marcas, que são fabricados por crianças? Se comprar um destes tapetes está a ajudar o nosso país e a impedir que muitas pessoas morram de fome. Mais vale comprar um tapete destes do que roupa de muitas marcas conceituadas que vocês usam no Ocidente.Vocês não compreendem o que custa sobreviver nestes países!"
Se os argumentos deste indiano podem ser compreensíveis em países asiáticos e africanos onde a miséria é grande, os mesmos nem sempre colhem quando se aborda o problema no mundo ocidental,afogado em desigualdades crescentes, mas esgrimindo os valores da democracia como um bem a preservar.
Outras histórias de crianças portuguesas e estrangeiras sobre as quais escrevi, podem ser lidas aqui
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