Existem 50 a 60 mil Himba no norte da Namíbia. É um povo de pastores nômades e a essência de sua existência repousa sobre quantas cabeças de gado cada família ou clã possui. Os Himba quase desapareceram na década de 1980, quando uma forte seca matou 90% do rebanho. Gente forte do deserto, eles conseguiram sobreviver e levam uma vida pacata em lugares que, para nós urbanos, seriam rotulados de insuportáveis, seja pelo calor como pela secura. Isolado, o povo ainda guarda algumas tradições inabaláveis.
Para chegar ao povoado Otjomitjira, nosso guia Moisés Muijankwe nos conduz em uma 4x4 por um caminho de pedras que segue um rio enfeitado de palmeiras. O trajeto é difícil e leva duas horas. Ele avisa que, no vilarejo, encontraremos apenas mulheres e crianças. “De dia, os homens estão no campo, cuidando dos rebanhos de gado e de ovelhas”, diz Moisés. “Só voltam para casa no final da tarde.”
Atingimos um grupo de cabanas redondas construídas com barro e palha. As crianças são as primeiras a correr a nosso encontro, sorridentes e saudáveis. As tranças das meninas indicam sua idade. As mais jovens possuem duas tranças jogadas para frente, as adolescentes levam as tranças para atrás.
As mães se aproximam e também estão contentes. Não é sempre que visitantes conseguem chegar a Otjomitjira e elas sabem que, quando um carro faz o longo trajeto, o guia traz alimentos e mantimentos básicos, como sal e óleo de cozinha.
Agradecidas, elas compartilham um pouco de suas tradições. A mais importante é seu ritual de beleza cotidiano. Maeka, mãe das três crianças que nos receberam, revela como transforma pedras de minério de ferro em um pó vermelho. Ela fricciona com força o mineral em uma pedra mais dura e recolhe o pó em um recipiente que contém gordura.
Chego mais perto para entender o que guarda a vasilha. O cheiro me remete imediatamente a 9 mil km de distância, à Lhasa. A capital do Tibete é empapada com um odor semelhante, o da manteiga de iaque, o bovino doméstico do Himalaia. Eis que estou aqui entre os Himba e recebo a mesma impressão olfativa. A semelhança entre os dois odores é que ambos os produtos são manteigas rançosas, abarrotadas de moléculas de ácido butírico (butiro é manteiga em grego), substância responsável pelo cheiro forte específico.
Chego mais perto para entender o que guarda a vasilha. O cheiro me remete imediatamente a 9 mil km de distância, à Lhasa. A capital do Tibete é empapada com um odor semelhante, o da manteiga de iaque, o bovino doméstico do Himalaia. Eis que estou aqui entre os Himba e recebo a mesma impressão olfativa. A semelhança entre os dois odores é que ambos os produtos são manteigas rançosas, abarrotadas de moléculas de ácido butírico (butiro é manteiga em grego), substância responsável pelo cheiro forte específico.
Depois de misturada, Maeka passa a pasta vermelha oleosa na pele. Começa pelos braços, continua pelas pernas, lambuza todo o tronco e pescoço, esparrama pelos dois seios fartos e termina a maquiagem no rosto. Efeito benéfico deve trazer, pois sua pele não tem pintas, manchas ou rugas.
“A pasta se chama otjize. Protege do sol, do ar muito seco e dos insetos”, afirma Moisés. “Além de manteiga e pó de pedra vermelha, elas colocam cinzas.” A mistura também é passada no cabelo e as tranças femininas são ensopadas com otjize, criando longos e grossos dreadlocks. O topo da cabeça é enfeitado com pedaços de couro de gazela, usados apenas por mulheres casadas.
Maeka entra em sua casa circular e regressa com um pedaço de pedra ovalado, com um buraco côncavo no centro. É como um prato fundo espesso. Ela coloca ervas secas e resinas aromáticas no centro da pedra e põe fogo na mistura. Uma fumaça azulada sai da mescla e o cheiro é bem mais agradável do que o da manteiga rançosa. Ela passa o vapor nas axilas, no pescoço, nos braços e até mesmo entre as pernas, nas suas partes íntimas. A fumaça serve como um desodorante natural”
“A tradição impede que a mulher Himba se lave”, afirma Moisés. “Banho de rio só para homens e crianças. Para perfumar seu corpo, as mulheres fazem essa defumação todos os dias.”
Difícil entender por que essas proibições chegaram até os dias de hoje. Deve ter tido alguma razão prática no passado – como escassez de água – e foi perpetuada como uma obrigação tradicional, mesmo se aqui em Otjomitjira existe um rio a 100 metros do vilarejo.
epoca.globo.com
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