O Ministério Público (MP) acusou dois ex-decisores públicos, o ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa José Manuel Canavarro e o ex-diretor regional de educação de Lisboa José Maria de Almeida e cinco administradores do grupo GPS por corrupção, peculato, falsificação de documento, burla qualificada e abuso de confiança no caso dos colégios privados/grupo GPS, informou a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) na sexta-feira.
Na acusação do Ministério Público (MP), a que a Lusa teve acesso, são descritas várias situações de uso indevido de verbas provenientes dos contratos de associação com o Estado – celebrados para colmatar falhas da rede escolar pública e permitir a frequência escolar em colégios privados em zonas com carência pública.
Segundo o MP, os arguidos terão alegadamente feito uso indevido de 30 milhões de euros dos mais de 300 milhões pagos pelo Estado no âmbito deste contrato.
Segundo a acusação, o dinheiro recebido por vários colégios do grupo GPS neste âmbito terá sido usado para benefício dos administradores arguidos no processo e seus familiares, que terão centralizado o fluxo do dinheiro em sociedades criadas pelo grupo empresarial, exteriores aos colégios e com atividades declaradas fora do âmbito da educação, mas as quais eram prestadores de serviços preferenciais destas escolas privadas.
Parte das faturas das sociedades do grupo GPS eram emitidas sem que as mesmas correspondessem a serviços efetivamente prestados ou a bens efetivamente fornecidos aos colégios, refere a acusação do MP.
A Agência de Viagens D. João V e a GPS-Transportes – Transportes, Viagens e Estadias são duas das sociedades internas do grupo prestadoras de serviços dos colégios às quais são imputadas faturas pagas pelos estabelecimentos de ensino, sendo o caso, por exemplo, do Instituto D. João V (IDJV) com “conteúdo genérico, sem qualquer referência a itinerários ou número de alunos, referentes a viagens e alojamento que beneficiaram os administradores arguidos e seus familiares”.
Entre os serviços pagos por este colégio à agência está uma viagem de cruzeiro entre 29 de julho e 05 de agosto de 2005 e alojamento em Barcelona com pequeno-almoço, num total de 3.777,50 euros; uma passagem de ano em Vigo entre 29 de dezembro de 2006 e 01 de janeiro de 2007 no valor de 5.338,39 euros; uma viagem ao Brasil (São Paulo) ao jogador de futsal Nino no valor de 2.982,68 euros, entre outros.
Entre 2005 e 2012 este colégio pagou faturas no valor global de 1.157.850,45 euros emitidas pela agência de viagens do grupo GPS e mais de 1,360 milhões de euros, entre 2007 e 2013, à GPS Transportes, por faturas relativas a “transportes escolares” emitidas apenas com este descritivo genérico.
Os administradores arguidos compraram ainda diversos carros de luxo, “a expensas do IDJV”, entre 2005 e 2013, “posteriormente revendidos, por preço inferior, a familiares ou pessoas da sua confiança”.


Em 2006 o IDJV adquiriu um BMW X3 por 53.605,41 euros, pagos pelo instituto, tendo depois, em 2010, o carro sido “alienado a favor de Rui Jorge Calvete, familiar do arguido António Calvete, pelo preço de 10.750 euros, valor que nunca foi pago ao IDJV, e que veio a ser registado a título de perda por imparidade”.
Também em 2006 o mesmo instituto comprou um Audi A6 por 53.198,70 euros, revendido em 2010 a Ana Maria Tilde Soares, ex-mulher de António Calvete, por 11.500 euros, um valor que “nunca foi pago ao IDJV”.
Ainda o mesmo colégio comprou em 2007 um Porsche Cayenne por 104 mil euros, revendido um ano depois por menos de metade do valor (50 mil euros) a Maria Daniela Moço Rodrigues Calvete, que, segundo a acusação, apenas pagou 22 mil euros ao IDJV, tendo o valor remanescente sido registado como “perda por imparidade” em 2012.
Outros colégios do grupo GPS pagaram ainda outros benefícios a administradores e familiares, segundo a acusação, estando entre a lista mais carros de gama alta, três bilhetes para o Mundial de Futebol de 2006, na Alemanha, com um custo de 2.070 euros, um seguro “em proveito pessoal” de António Calvete com um custo à escola em causa de mais de 54 mil euros, e outras viagens e cruzeiros familiares.
A acusação refere ainda a criação de sociedades ou utilização de sociedades já existentes das quais os arguidos eram donos para apresentação de faturas aos colégios ou empresas do grupo, “destinadas a justificar saídas de dinheiro para as suas esferas patrimoniais pessoais”.
A acusação sumaria ainda os valores imputados pelos arguidos administradores às empresas do grupo, tendo recolhido informação de faturas em restauração, entre 2015 e 2012, no valor total de mais de 44 mil euros, mais de 130 mil euros em viagens e estadias no mesmo período, e quase 79 mil euros em artigos diversos, que vão desde telemóveis e vinhos a cortinados e utensílios e mobiliário para casa.
A título de exemplo, a acusação refere que em 2006, as faturas de restauração do arguido António Calvete discriminavam o consumo de vinho com um preço por garrafa entre os 75 e 120 euros, e que o restaurante Manjar do Marquês faturou, “numa refeição para três pessoas, 36 garrafas de vinho pelo preço total de 1.440 euros”.