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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

FALECEU AIDA MAGRO HISTÓRICA MILITANTE DO PARTIDO COMUNISTA PORTUGÊS - A SUA HISTÓRIA

Luta pela democracia «era muito difícil»

Faleceu na sexta-feira a histórica militante do PCP Aida Magro. Nascida em Angola em 1918 e formada em Engenharia Química, aderiu ao PCP em 1942, começando a sua militância na luta pelos direitos das mulheres e pela solidariedade antifascista. Em 1945, passou à clandestinidade como funcionária do Partido assumindo, entre outras tarefas, o controlo do Comité da Zona Oriental de Lisboa, na altura a zona operária mais importante da cidade






As desigualdades e as injustiças sociais que se viviam nas décadas de 30 e 40 em Portugal conduziram Aida Magro ao Partido Comunista Português. A sua actividade neste partido levou-a a viver 12 anos na clandestinidade e seis anos na prisão de Caxias. A luta pela democracia «era muito difícil. Não brincávamos aos polícias e ladrões. Era a sério».
Aida Magro nasceu e viveu a sua adolescência em Angola, onde as condições de vida da população negra «sempre me preocuparam», afirmou Aida Magro ao Notícias da Amadora. Em Portugal envolveu-se em várias lutas estudantis até que acabou por se tornar militante do Partido Comunista Português em 1942, com 24 anos.
Na altura, a luta das mulheres contra as condições de vida começava a ganhar visibilidade. Um ano antes o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas reivindica em carta aberta ao ministro do Interior a criação de uma nova lei sobre a condição feminina e as greves e as concentrações de mulheres multiplicam-se. É o caso das 450 operárias da Fábrica de Cortiça Rankin, na Cova da Piedade, que reivindicam junto do patrão aumento de salário, ou as mulheres de São Félix da Marinha que desviam uns sacos de farinha destinados aos nazis e distribuem-na pela população.
Em 1945, o marido de Aida Magro, José Magro, que também pertencia ao PCP, foi denunciado e foi obrigado a ingressar na clandestinidade. «Era uma realidade para a qual estávamos preparados. Mas foi muito complicado ficar sozinha com uma criança de três meses». Algum tempo depois seguiu-lhe o exemplo. Realça que foram tempos «muito difíceis». A Segunda Guerra Mundial tinha terminado, e Portugal «estava a pagar a factura de uma falsa neutralidade». Os bens eram escassos e a população era obrigada a viver com racionamento.
As pessoas que viviam na clandestinidade não podiam recorrer a esse racionamento e «eram obrigadas a recorrer ao mercado negro onde compravam açúcar ou arroz por 16 escudos». Aida Magro realça que a mensalidade cedida pelo PCP para os três era de 500 escudos. «Tinha que fazer contas e mais contas para o dinheiro dar para tudo. Passei muita fome para alimentar a minha filha». 
«Passagem ao anonimato»
Aida Magro diz que tinha uma ideia «muito romântica» da clandestinidade. Mas afinal, «não era mais do que a passagem ao anonimato, com o objectivo de nos furtamos às perseguições da PIDE».
Os militantes do PCP que viviam na clandestinidade não tinham identificação nenhuma, o que era «um dos motivos de angústia e preocupação» porque «se fossemos abordados pela PIDE não tínhamos nenhum documento e podíamos ser presos ou mortos em qualquer esquina como aconteceu com outros camaradas».
O trabalho na clandestinidade «era muito». Para além de «estar em alerta permanente» e de «controlar um determinado sector operário, trabalhávamos todo o dia na elaboração de jornais e artigos». Aida Magro passou por vários locais nos anos em quem viveu na clandestinidade, mas a inserção nunca «foi difícil». A maioria das pessoas «não sabia o que se passava no país e desconhecia as perseguições da PIDE». Num dos locais, «até chegaram a pensar que o meu marido era casado com outra mulher e que eu era a amante. Foi uma farsa que nos foi muito útil enquanto vivemos no local».
Depois do marido ter sido preso, em 1951, continuou a viver na clandestinidade por mais seis anos até ser presa em Maio de 1957. Cerca de um mês depois do marido ter sido libertado. Os agentes da PIDE «assaltaram-me a casa, no Bairro Lopes, e encontraram muitos arquivos e material de propaganda e estudos que denunciavam a minha actividade».
Nas instalações da PIDE assumiu que pertencia ao PCP e recusou-se a prestar declarações. «Não ia mentir porque eles tinham a certeza absoluta que eu pertencia ao partido. Os documentos apanhados em minha casa eram uma prova mais do que suficiente». Recorda que ainda «tentaram obter informações através de elogios à minha pessoa. Achei que era traição e recusei-me a abrir a boca».
Sem tortura
As condições na prisão de Caxias «eram muito más». Nos primeiros seis meses de prisão ficou isolada e foi submetida a vários interrogatórios. Mas salienta que nunca foi torturada. A única tortura «era ter o meu marido na mesma prisão e tomarem todas as precauções para não nos vermos». Libertado em 1957, José Magro voltou a ser preso em 1959 e evadiu-se em 1961. Mas volta à prisão em 1962, saindo de Caxias apenas em Abril de 1974.
Para a ajudar a passar o tempo no isolamento, duas presas, Georgette Ferreira e Maria Ângela, cantavam canções revolucionárias «para me animar e não me sentir tão só». Como era proibido cantar foram castigadas com um mês de cela disciplinar, «sem direito a visitas, lanches, ou jornais. Estávamos em pleno período eleitoral e era preciso que elas acompanhassem as notícias». Optou por fazer recortes de jornais, «como se fosse uma espécie de arquivo», metê-los na algibeira da saia e deixa-los cair nos balneários «por esquecimento». Os recortes nunca foram lidos pelas camaradas de prisão e, por isso, «escrevi uma carta ao director a reclamar dos carcereiros». Uma reclamação que lhe valeu 15 dias em cela disciplinar. Os castigos «eram muitos. Eram uns atrás dos outros. Como reclamava de tudo, era castigada com muita frequência». Depois da fuga de Peniche, a 3 de Janeiro de 1960, donde se evadiu um grupo de destacados dirigentes do PCP, entre eles Álvaro Cunhal, as condições de vida na prisão «pioraram muito. Os pretextos para os castigos eram constantes e as provocações surgiam a todo o momento». Nesse ano, a PIDE não permitiu aos presos a visita em comum pelo Natal.
Esta decisão «gerou uma grande movimentação dos presos e dos familiares». Na altura, Aida Magro era chefe de sala e «assumi uma postura de conquista desta regalia recusada». O castigo acabou por ser geral e, como chefe de sala, «fui submetida a mais 30 dias de castigo e a destituição da função».
Tempo «passa devagar»
O tempo na prisão «passa muito devagar». Para preencher os dias Aida Magro costurava roupa para a filha e para a sobrinha, ensinava a ler e a escrever as camaradas menos instruídas e «discutíamos muita política e as soluções para o país avançar para a democracia».
Durante os seis anos em que esteve presa, «passaram muitas mulheres pela prisão de Caxias e muitas delas foram submetidas à tortura do sono».
Foi libertada a 2 de Fevereiro de 1963, mas foi submetida a três anos de liberdade condicional, com residência fixa e apresentação mensal na PIDE. «Não podia sair de Lisboa para lado nenhum. Para ir visitar o meu marido a Peniche tinha que solicitar uma autorização com 48 horas de antecedência». 
Quando saiu da cadeia tinha 45 anos e, apesar de ter um curso de técnica de engenharia, «tive muita dificuldade em arranjar emprego. As portas estavam todas fechadas porque tinha um rótulo de comunista». Acabou por fazer um pouco de tudo, «desde vender máquinas de café até fazer escritas. Era preciso sobreviver».
Trinta anos depois do 25 de Abril de 1974 considera que a luta «foi muito positiva. Valeu a pena as pessoas sacrificarem-se». Espera que o seu testemunho «sirva para mostrar» aos mais jovens «que vale a pena lutar para viver em liberdade».
O Notícias da Amadora contactou várias mulheres que passaram pelas prisões fascistas, que não quiseram falar sobre essa vivência. Um facto que para Aida Magro é compreensível. «Nem todas gostam de recordar as más experiências a que foram submetidas»
http://www.noticiasdaamadora.com.pt/nad/artigo.php?aid=5184&coddoss=23