Com 62 anos e mais de 48 de descontos, reformou-se António Chora, o homem do BE que liderou a representação laboral na empresa. Julgava que não seria penalizado. Errou.
Ao fim de 48 anos e um mês de carreira contributiva, tendo começado a trabalhar aos 12 anos e a descontar aos 14, o porta-estandarte do sindicalismo no Bloco de Esquerda, António Chora, mítico coordenador da comissão de trabalhadores da AutoEuropa, reformou-se. Foi em janeiro passado, com 62 anos feitos.
Tivesse esperado mais umas semanas e não teria sido tão penalizado na sua reforma. O ministro do Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva, está a negociar com os parceiros sociais e os partidos da "geringonça" uma lei que diminui as penalizações para os trabalhadores com carreiras contributivas longas que decidem antecipar a sua reforma, não esperando por completar 66 anos e três meses, como agora a lei impõe.
"Saiu-me o tiro pela culatra", "digamos que fui um bocadinho iludido." E quem o iludiu foi, segundo disse ao DN, precisamente o ministro Vieira da Silva, que terá feito declarações em outubro de 2016 prometendo que a nova lei, menos penalizadora, entraria em vigor no início deste ano . António Chora esperou portanto por janeiro de 2017.
Só que a lei não mudou e a penalização na reforma lá se fez sentir, cerca de 14%, segundo contou. Enfim, agora o recém-pensionista espera, quando muito, que a lei a ser aprovada possa ser retroativa para aqueles que entraram na reforma este ano. Diz que isso já aconteceu em 2016 com outra lei do mesmo ministro também sobre pensões. E encolhe os ombros: "Já tive tantas injustiças na minha vida profissional que esta não é de estranhar."
O tempo agora é de férias. Ainda está a pensar no que fazer mas já tem umas ideias. Gostava de dar "aulas de sindicalismo" em escolas técnico-profissionais. Ou seja: ensinar aos estudantes que no mundo do trabalho "isto não é só obedecer a tudo", que têm direitos e que os devem exercer - e como o fazer. Para o antigo socialista, o projeto é também fazer o mesmo em escolas que formem gestores. Para que eles, os futuros patrões, percebam que não podem olhar os que pressionam pelos direitos laborais como "inimigos". Essa formação da cidadania, diz, não existe agora em escolas técnico-profissionais. Uns são formatados para obedecer e outros para mandar.
Natural de Montemor-o-Novo, António Chora chegou ao mundo do trabalho com 12 anos, como paquete no setor da construção civil. Começou a descontar aos 14, no dia 1 de janeiro de 1969, trabalhando numa cooperativa distribuidora de bacalhau, no Cais do Sodré (Lisboa). Esteve na indústria, estudou à noite, e na AutoEuropa, onde entrou em 1992, tornou-se técnico de manutenção. Nos últimos cinco anos, foi-lhe proposto pela administração - e aceitou - exercer a tempo inteiro a coordenação da Comissão de Trabalhadores.
Da experiência de trabalhar com gestores alemães ficam-lhe recordações basicamente boas. "Nunca tive má impressão dos alemães. Ainda agora, desde 2012, sempre tivemos o apoio dos alemães para evitar despedimentos e colocámos 400 pessoas na Alemanha, que já regressaram entretanto." E é "um princípio alemão" e "muito Volkswagen" a valorização dos direitos laborais e do sindicalismo (o nível de sindicalização é de 90%).
Para o recém-reformado, o seu partido só não se afirma mais no mundo sindical porque este é "um terreno marcado por uma atividade muito formatada" [pelo PCP e pela CGTP, depreende-se]. "Quem domina a área laboral tem noventa anos de experiência a liderar sempre da mesma maneira, o que tem alguma influência nos baixos índices de sindicalização."
Na AutoEuropa, porém, não há razões para o BE estar preocupado. A reforma de Chora não implicará perda de influência do partido na representação laboral na empresa alemã de Setúbal cuja produção de automóveis dá ao país mais de um por cento do PIB.
Quem lhe sucedeu à frente da Comissão de Trabalhadores, Fernando Sequeira, também está ligado ao partido.
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