que os operários fabricam?
Os operários
ficariam com eles de bom grado.
(Bertold Brecht in “Cartilha de Guerra alemã”)
Este micro-poema de Brecht, surripiado ao “Cravo de Abril”, seria mais do que suficiente para definir todo um programa de economia política... e explicar melhor do que eu, os pontos de vista que defendia numa recente conversa de café. Mesmo assim, pelo prazer da coisa, lá fui dizendo de minha justiça...
Depois de chamar a atenção do meu parceiro de conversa para o facto, cada vez mais evidente, de esta grande “vitória orçamental” de Sócrates assentar numa confusa aldrabice, em que números sobem e descem ao sabor das interpretações, sendo que aquilo que é certo, é a triste verdade de, a existir a tal queda do défice, isso ser conseguido unicamente à custa do sofrimento de velhos, doentes, crianças sem abono de família, desemprego, aumentos de impostos e, claro, o roubo dos salários (o que eles detestam ouvir isto!)... esse amigo, questionando a minha afirmação de que os salários baixos são maus para aqueles que os ganham, mas igualmente nocivos para a economia nacional, ao passo que os salários milionários de alguns, se são doces para esses, são perfeitamente inúteis para essa mesma economia nacional, mais por “provocação” para forçar resposta, do que por convicção, atirou-me:
- Mas não achas que se os ricos tiverem muito dinheiro isso também é bom para o comércio e para o Fisco...
- Não! Quanto ao Fisco, basta ler as notícias sobre os impostos pagos pela banca e sobre os milhões que correm em negócios feitos em “offshores”, para estarmos conversados. Sobre o dinheiro que injetariam na economia nacional, isso não passa de uma ilusão. Um trabalhador que ganhe o ordenado mínimo, um jovem licenciado da geração dos 500 euros, ou mesmo trabalhadores que ganhem mil euros por mês, “aplicam” esse dinheiro na sua totalidade, em comida, em medicamentos, em material didático para os filhos, em pagamento de transportes para ir para o trabalho... e estes são milhões. Já aos milhares de ricos, ou às centenas de muito ricos, depois de satisfazerem as suas necessidades básicas, ainda que mais caras, sobram-lhes milhares de milhões de euros inúteis.
Enquanto os primeiros alimentam a cadeia de pequeno comércio local e a produção nacional (a pouca que resta) com a totalidade do seu dinheiro, os segundos, depois de saciados, se tiverem alguma espécie de compulsão por gastar dinheiro por vício ou exibicionismo, acabam a alimentar a economia alemã, comprando os seus extraordinários carros, a economia suíça, com a tara dos relógios de muitos milhares de euros, a economia francesa, com o luxo milionário dos seus perfumes personalizados, investem milhões em “produtos financeiros” não produtivos... ou seja, tal como o seu dinheiro, são uns inúteis.
Depois de me ter arrancado aquilo que, afinal, queria ouvir, o meu parceiro de café perguntou-me, sorrindo, se nestas conversas e “lá no Cantigueiro”... eu não me sentia, de vez em quando, a atirar pérolas a porcos.
- Não! Primeiro, porque a maior parte dos meus leitores é gente amiga; segundo, porque mesmo pensando em todos os outros... vale sempre a pena dizer aquilo em que se acredita.
Não. Sinto que estou a atirar pérolas a porcos, sim, quando pago os impostos... e isso, por ver tantas vezes que essas “pérolas” que atiro, mesmo poucas, em vez de serem usadas para o que deviam, passam por mim na rua, depois, transformadas em grandes carrões; agridem-me, transformadas em ostensivas mansões... isto quando “eles” não têm mesmo o desplante de se passearem com elas enroladas ao pescoço.
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